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Entrevista: Novelo, um projeto 'Made in Brazil' que ganha o mundo com financiamento Chileno

12 anos e meio atrás

Noveleros

"Os Noveleros Michelle e Herval, fundadores da Novelo."

A visão de muitos jovens empreendedores nasce e morre antes mesmo que seus projetos saiam dos cueiros. É comum vermos uma startup ajeitada arrumar alguns milhões por meio de investidores bem intencionados e cheios de vontade de apoiar as boas idéias. Quantas vezes você já viu notícias assim pelas interwebs? Agora, no mundo real, como realmente são essas histórias?

Essa semana tive a oportunidade de entrevistar dois jovens Brasileiros cujo projeto saiu de terras canarinhas com mala e cuia para cair no mundo, com ajuda de investidores de fora. Michelle Veronese e Herval Freire, são os dois "Noveleros" fundadores (assim eles chamam a si mesmos e não, não tem nada a ver com novelas...). Os dois me contaram como foi que a Novelo conseguiu arrumar dinheiro gringo para materializar a idéia de facilitar negócios online via uma rede social com +800 milhões de usuários mundo afora.

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San: Tudo joinha Michelle? Que tal começarmos com vocês se apresentando?

Michelle: Tudo jóia, San. Bom, eu sou Michelle, uma mezzo jornalista, mezzo emprendedora e co-founder do Novelo. Até bem pouco tempo, numa galáxia nem tão distante assim chamada São Paulo, eu trabalhava inteiramente como jornalista e achava que iria fazer isso pelo resto da vida. Comecei como repórter de TV, editei sites, escrevi para grandes revistas, até prêmio recebi... Mas, depois de um tempo, por n motivos, que vão desde o salário baixo até o ritmo neurótico de trabalho, passando pelo trauma de alguns chefes, o encanto com o jornalismo se quebrou. Foi aí que decidi pivotar a vida! Com o empurrão do Herval tomei coragem para arriscar a primeira empresa, focada em TV corporativa. Depois veio o Novelo, nosso projeto atual.

Herval: Minha história é menos "variada". Começou com 11 anos de idade, quando editei e comecei a vender meu primeiro jornalzinho sobre video-games. O negócio não foi pra frente, já que o meu grande público (composto por exatamente UM coleguinha de escola) não tinha lá muito dinheiro pra pagar. De lá pra cá, apaixonei-me por hackear coisas (principalmente computadores) e programei, programei, programei... Aos 19, abri minha primeira empresa "séria", que existe até hoje (apesar de eu não ser mais sócio), depois mais outra (a primeira empresa de jogos de celular do Brazil - chegamos a vender incríveis 100 dólares em joguinhos nos EUA, numa época em que ninguém sequer sabia o que era um smartphone!). Depois do fiasco e de uma pausa merecida ("pausa" em termos, rodando o mundo trabalhando em empresas européias e americanas - um "sabático" bem ocupado), voltei a empreender em 2008, já com Michelle debaixo da asa...

Okay, vocês são 'meio' normais... Agora, sobre a startup de vocês, vamos decifrar o nome. Novelo? Alguma fixação com carneirinhos ou vocês sofrem de insônia mesmo?

Michelle: Hum, eu sofro de insônia e até hoje conto carneirinhos (risos)... Na verdade, queríamos uma palavra que contasse a seguinte história: um rede organizada de pessoas que, com a ajuda de uma ferramenta muito simples, poderiam se organizar e transformar seus negócios. O novelo de lã, se você soltar um pouco a imaginação, conta exatamente isso: com uma simples agulha, o fio vai sendo trabalhado até virar roupa, cachecol, toca, artesanato...

Herval: Creio que o nome veio meio que por acaso mesmo. Passamos um par de horas listando nomes bobos e genéricos, como "myStore" ou "faceStore", até surgir a idéia do novelo de lã (nossa segunda beta-tester vende crafts). O nome tem uma força de marca excelente - é direto sem ser direto, é sonoro, é evocativo e funciona até em francês (só espero que não signifique nada muito estranho em Chinês!).

[san: fique sossegado, como em vários outros idiomas, a palavra para novelo é bola. Shiiiiiii.... :D)

Retiro o 'normais' então... (riso cínico, levanto uma sobrancelha...) Aí, em um belo dia, você e o Herval tiveram a idéia. Como nasceu de fato a Novelo?

Michelle: O Novelo começou como um projeto de fim de semana. Tínhamos vários amigos e conhecidos com pequenos negócios que desbravando a internet, para vender de artesanato a camisetas e livros. E o que mais impressionava era que essas pessoas usavam massivamente os blogs e as redes sociais como o Flickr e o Orkut para tentar vender seus produtos. E, sim, elas conseguiam vender. Mas de grão em grão, ou seja, as vendas não escalonavam e o processo era muito amador e trabalhoso.

Foi aí que pensamos: por que não oferecer uma ferramenta, simples e fácil de usar, para que essas pessoas vendam dentro das redes sociais de modo seguro, rápido e organizado? Nossa ideia não era criar um marketplace qualquer, como tantos outros que existem na internet, mas, sim, uma ferramenta focada exclusivamente no comércio dentro das redes sociais.

Graças ao nosso hacker e homem dos códigos, o Herval, bastou um fim de semana para a ferramenta nascer. Em seguida, convidamos os primeiros usuários para testar e o feedback deles foi incrível. A partir das sugestões e críticas desses primeiros usuários e de outros que vieram depois, a ferramenta foi lapidada e lançada oficialmente logo depois.

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O Novelo contou com fundos de uma incubadora de investimentos ligada ao governo Chileno (a Startup-Chile). O que rolou no processo decisório de vocês para que a idéia abraçasse capital de investimento estrangeiro? E por que o Chile?

Herval: Nosso foco com o Novelo nunca foi SOMENTE Brazil. Na verdade, metade dos nossos usuários já é de outros países (especialmente Estados Unidos e Espanha).

A história do Chile foi bastante por acaso: tínhamos aplicado nosso projeto para uma incubadora em São Francisco, onde fomos até a última etapa do processo seletivo. No final, o organizador da incubadora mandou um e-mail informando que não tínhamos sido selecionados e sugerindo tentarmos o StartupChile, que estava com inscrições abertas até a segunda-feira (recebi o e-mail num sábado a noite). Deu no que deu e fomos selecionados, juntamente com apenas 3 outras empresas do Brazil!

Sinceramente, não sabíamos o que esperar do Chile (muito menos do projeto Startup Chile), mas decidimos tentar assim mesmo. Embarcamos uma mala de roupa e o cão (Frodo Haagen-Dazs, nosso Chief Morale Officer) e cá estamos, surpresos com a energia do povo e absurdamente felizes por ter dado esse passo impensado.

O projeto em si, do ponto de vista estratégico que escolheram, procura resolver qual problema/demanda?

Herval: E-commerce é um mercado grande. Aliás, é de longe o MAIOR mercado da Internet. O Social Commerce (que inclui a venda através de redes sociais) é um dos nichos que mais crescem dentro do e-commerce e apresenta um novo mundo de desafios e oportunidades. Além do mais, trata-se de um nicho ainda "sem dono": o e-commerce tradicional, aquele de "acesse meu site ponto com ponto br e compra lá", já é dominado por peixes grandes e empresas como a americana Shopify, que oferecem excelentes produtos por um preço mínimo.

No caso do Social Commerce, essa "liderança indisputada" ainda não existe e até mesmo as grandes marcas (como Coca-Cola ou Pampers) ainda estão engatinhando (com ótimos resultados, diga-se de passagem). É o Novo Mundo do E-commerce, e estamos aí pra desbravá-lo.

Pessoalmente, penso que esse formato de vendas para o varejo pode alçar grandes vôos, levando a loja onde o cliente comumente está, ao invés do contrário. Vocês tem tido bons resultados desde o lançamento?

Herval: Estamos oficialmente no ar há 2 meses, com um produto ainda incompleto e um orçamento de divulgação nulo. Apesar disso tudo, conquistamos mais de 5 mil visitantes ativos e já registramos uma dezena de compras efetivadas. No total, temos 400 lojistas ativos, alguns deles utilizando o Novelo até como canal exclusivo de vendas. Dois meses sem dormir, mas extremamente empolgantes!

Eu sabia que o lance era insônia! Que novelo de lã que nada...! 🙂 Nas FAQ, vocês indicam que o seu modelo de capitalização é semelhante ao de outras soluções off-Facebook, por exemplo. Vocês não cobram taxas fixas, mas parecem cobrar uma comissão sobre a venda ou a loja, certo? -- isso é algo fixo ou um percentual variável?

Michelle: A comissão é de 2% e é cobrada apenas nos meses em que o usuário efetuou uma venda. Não é preciso pagar taxa de adesão ou mensalidade e, se em determinado mês, o usuário não vendeu nada, não terá que arcar com custo nenhum. Isso é uma mão na roda para quem tem um pequeno ou médico negócio e não pode arcar com custos extras.

Herval: Além dessa comissão, oferecemos também alguns serviços extras, para usuários interessados em incrementar suas lojas - integração com Analytics, por exemplo. E vem mais coisa por aí, mas no momento não podemos falar muito pra não dar ideia aos imitadores de plantão... 🙂

É bem bacana ver mais dois rostos Brazucas à frente de um empreendimento com escopo global, para além das fronteiras do país. A aceitação e a base de novos clientes do Novelo está mais concentrada onde, dentro ou fora do Brasil?

Michelle: A maioria dos clientes vem de dentro do Brasil -- e isso pode se explicar pelo boca-a-boca que rolou online. Não fizemos alarde na imprensa, nem campanha de marketing, simplesmente deixamos que nossos usuários reagissem e, se tivessem vontade, espalhassem a novidade. Deu certo!

Como os primeiros usuários vieram do Brasil, esse buzz marketing local acabou atraindo mais usuários do nosso país. O Novelo, no entanto, desde o início está disponível em outros dois idiomas: inglês e espanhol. E o número de usuários em inglês (a maioria dos EUA) e em espanhol cresce a cada dia -- nesse último caso, a maior parte vem da Espanha, Chile e Argentina.

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Vocês acreditam que novos empreendimentos Brasileiros devem seguir o mesmo caminho (capital de investimento estrangeiro) ou existe a possibilidade real de fundar projetos bacanas por aqui também?

Herval: A tendência de "fugir do Brazil" não é nova, mas tem acelerado - na semana passada mesmo, soubemos de duas outras empresas fundadas no Brazil (Everwrite e Deskmetrics) que também estão abrindo empresas oficialmente nos EUA. Além de casos onde ninguém nem percebe que são Brasileiros por trás - como é o caso do Instagram, da Vostu (Colheita Feliz) e do gigante Facebook. Não tem mistério, nesse ponto: dinheiro lá flui muito mais fácil.

Além do óbvio problema de impostos do Brazil, outro problema sério, pelo menos no curto prazo, é a falta de uma mentalidade de investimento de risco. Os raros investidores "de risco" do Brazil tem risco só no nome: só investem em projetos com muita receita própria ou fundados por empreendedores "da panelinha" (conhecidos ou amigos de amigos). Os Anjos, então, nem se fala! Já ouvimos histórias de terror de anjos querendo 40, 50% de empresas em troca de migalha de pão. Esse último é um problema comum em outros países da América Latina também.

A "nova modinha" no Brazil, nesse momento, são as aceleradoras - inspiradas no modelo da gringa YCombinator, que coloca pouca grana mas entra com uma rede de contatos enorme (de lá, saíram empresinhas como Dropbox, Reddit, Posterous, AirBnb, Hipmunk, dentre muitas outras). Ainda é cedo pra saber se as aceleradoras tupiniquins vão mesmo decolar ou vão acabar como mais uma iniciativa meia-boca focada em lucro rápido em cima de um punhado de otá... empreendedores. Dependendo da aceleradora, é um modelo interessante para quem está começando do zero já entrar no mercado com o pé direito.

E falando nos empreendedores, o Brazil sofre de um "problema" que não é necessariamente um problema: por ser um país tão grande e tão distante, culturalmente (tanto dos países vizinhos quanto dos EUA), é muito mais normal ver projetos focados no mercado nacional que com um foco mais global. Não quer dizer que não funcione - Peixe Urbano está aí pra provar que dá certo. Nossa cultura também é diferente da americana no que diz respeito ao "ficar rico": enquanto lá se cultua o sucesso financeiro (às vezes até demais), no Brazil é até mesmo perigoso divulgar pro mundo que você vendeu uma empresa por um par de milhões. Existem diversos milionários de software no país - eles só são anônimos, em vez de estrelas, e constróem suas fortunas resolvendo problemas locais, como software de contabilidade, em vez de atacar problemas que ninguém tem - como os Facebooks, Bloggers e Twitters da vida.

Para relaxar, o que vocês JAMAIS venderiam na internet? Especialmente pelas redes sociais...

Michelle: Acho que dá pra vender tudo (bom, quase tudo) na internet. Eu venderia qualquer coisa, menos minha mãe. Aliás, pensando bem... Se houvesse uma versão do Airbnb no esquema "alugue a mãe", eu juro que alugaria a minha por uns tempos (que ela não me ouça!).

Jóia Michelle, Herval. Muito boa sorte para vocês.
Desejo que o projeto prospere tanto quanto puder merecer.

Valeu pela entrevista. Recebam um abraço.

Projeto: Novelo

Há um outro projeto (primariamente) Brasileiro no setor, bastante interessante, chamado LikeStore. Mas, fica para uma próxima entrevista...

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