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O triste fim do OLPC

12 anos e meio atrás

the-dream-is-over-t2Nicholas Negroponte é um sujeito que entende tudo de Internet antes mesmo de ela ter sido criada. Seu trabalho à frente do Media Lab do MIT foi brilhante, contribuindo em idéias e profissionais para muito do avanço que vemos hoje. Mesmo assim, como quase todo gênio chega uma hora em que o peso do cérebro se faz sentir, e Nicholas surtou.

Ele caiu na armadilha comum a todos que vivem imersos em tecnologia, achou que ela seria solução para todos os problemas, o que é uma visão simplista e tentadora. Eu mesmo me sinto assim umas duas vezes por semana.

Concordo plenamente com o diagnóstico de que grande parte dos problemas do mundo vem da falta de Educação, e nem digo o pessoal que xinga muito no Twitter, mas das crianças adestradas para repetir e aceitar tudo que alguém com uma voz autoritária, uma batina ou um uniforme digam, sem questionar. Educação é o que fez William Kamkwamba se diferenciar de milhões de garotos famintos africanos, e não é do interesse de ninguém em posição de poder que essas exceções tornem-se regras.

 

Negroponte criou o conceito do OLPC baseado da ilusão de que o que estava atrasando essas crianças no mundo todo era a falta de material didático, e que computadores iriam fazê-las querer aprender mais. Ele achou que a Internet seria uma grande ferramenta nas mãos delas, e isso faria a diferença.

É lindo, mas na prática não deu certo. Ficou claro que todos envolvidos com o OLPC não tinham nenhuma experiência de Mercado. Sua visão acadêmica não bateu com a realidade, pra começar na promessa do Notebook de US$100,00. Simplesmente não havia escala para isso, nem tecnologia. Logo o OLPC chegou a US$250,00 e depois de muita briga, estima-se que esteja em US$200,00. Isso para pedidos em grande quantidade.

Logo a indústria percebeu algo que Negroponte e seus amigos não haviam percebido: Havia mercado para computadores pequenos, de baixa potência. Foi criado o Netbook, e durante alguns meses o Linux conseguiu liderar as estatísticas de uso. Claro, as pessoas reclamaram, os fabricantes melhoraram os equipamentos e eles se tornaram capazes de rodar Windows XP. Bye-bye Linux.

Ah sim, a Microsoft criou uma versão do XP para o OLPC, demanda de vários países que estudavam o projeto. A Intel veio atrás e lançou seu Classmate PC, um notebook/tablet educacional muito do bonitinho. Com nome no mercado, um produto melhor e sem a desconfiança de um bando de hippies um monte de projetos migraram do OLPC para o Classmate. Até no Brasil.

Logo o OLPC XO-1 estava ultrapassado, mas continuava a ser promovido. A Organização prometeu durante um ano e meio um novo computador, o OLPC XO-2, com novos recursos, tela dupla, uma lindeza:

olpcx2

Isso tudo, claro, por menos de US$150,00.

Um ano e meio depois o projeto do XO-2 foi sumariamente cancelado. Era vaporware da melhor qualidade. Não que isso tenha afetado Negroponte, que descartou o XO-2 mostrando o XO-3, esse sim, previsto para 2012 e custando menos de US$100,00 (já ouvi isso) seria o grande projeto:

olpc3

Familiar? É, também achei. Aí pergunto: Quais as chances de um tablet xing-ling de qualidade mediana ser vendido por US$100,00 em 2012? Eu mesmo respondo: Muito maiores do que as chances da turma do Negroponte conseguir projetar algo que parece mais um iPad 4 pelo mesmo preço.

O grande concorrente do OLPC não é a Microsoft, é o Android. Os tablets Honeycomb são muito mais versáteis do que o Fedora lobotomizado que rodam nos OLPC, e é muito mais fácil para eles interagir com periféricos, uma das grandes reclamações dos professores e alunos que usaram o OLPC.

No total foram encomendados 2 milhões de OLPCs. Os dois únicos países que fizeram mais de uma encomenda foram Uruguay e Peru. O Brasil, que havia falado maravilhas do projeto, parou de falar qualquer coisa sobre ele em 2007.

O grupo do OLPC tentou criar promoções para estimular a adoção do computador, Em 2007 lançaram o projeto “Compre um doe um”, onde você pagava US$399,00 mais US$25,00 de correio, recebia um OLPC e outro era doado para uma criança pobre em algum fim de mundo.

83.500 computadores foram vendidos assim, mas com o advento dos netbooks o interesse simplesmente evaporou. O mesmo programa em 2008, mantendo o preço do ano anterior só conseguiu vender 12.500 OLPCs.

As críticas se acumularam, não só por causa dos bugs mas por decisões filosóficas. Apesar de ser vendido como garoto-propaganda do Open Source o OLPC é mais fechado que qualquer computador Windows. É impossível sequer instalar softwares nele, é preciso chave de desenvolvedor inclusive para trocar o sistema operacional.

Na parte da manutenção as famílias eram responsáveis caso algum dano ocorresse, e um pescador na Nigéria com certeza não tem dinheiro para trocar uma tela LCD mordida por um suricato.

Em 2009 a India encomendou 250 mil OLPCs, depois de muita controvérsia. Em 2010 foi apresentado um protótipo de tablet indiano desenvolvido localmente rodando Android, por US$35,00.

Agora em 2011 começaram a entregar o tal tablet, chamado Sakshat. Com tela de 7 polegadas, 32GB de armazenamento, 2GB of RAM, porta USB port, Wi-Fi, webcam, porta HDMI (chupa, iPad!), suporte a cartão SIM e microSD, o preço final será de US$49,00. Ainda MUITO BOM, mesmo sem levar em conta que o governo indiano subsidiará a compra para estudantes, arcando com 50%.

Alguém ainda acredita que a India irá comprar uma segunda leva de OLPCs?

O OLPC veio para mudar o mundo, mas o mundo foi mais rápido. E mesmo que digam que a proposta educacional vai além do computador em si, essa proposta pode ser melhor executada com equipamentos mais baratos e mais versáteis, seja o tablet indiano, seja um PC convencional subsidiado.

É injusto ver um sonho morrer assim, mas promessas extraordinárias exigem demonstrações extraordinárias, e o OLPC na prática tinha os problemas de um computador normal e as limitações de um netbook. Computadores são legais mas uma biblioteca é muito mais barata e funciona melhor, principalmente em lugares como Camboja e Botswana e Bengala. Wakanda não, em Wakanda OLPCs funcionariam bem.

Por outro lado o OLPC deu início ao mundo dos laptops compactos de baixo custo, e se ele não existisse o Macbook Air de 11 polegadas nunca seria lançado, pois ninguém havia acreditado no conceito de tela pequena e extrema portabilidade.

Fica a lição de que informação na mão dos estudantes é importante, mas informação não precisa ser digital. Livros têm nos servido bem desde 2600 AC, é presumível que escolas que não possuem água potável e tetos podem sobreviver mais alguns anos com eles, antes de partir para a Era Digital.

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