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Para Carl

Hoje Carl Sagan completaria 76 anos.

13 anos atrás

November 9, 1934 – December 20, 1996

★ 09-11-1934 - ∞ 20-12-1996

Para muita gente de minha geração o mundo se divide em AC e DC. Antes de Cosmos e Depois de Cosmos.

Em 1980 um documentário revolucionou a forma de se divulgar ciência, na verdade popularizando de vez a figura do Divulgador Científico, na figura do astrônomo Carl Sagan. Acostumados com documentários sem grande apelo visual, quase aulas disfarçadas, ficamos chocados (no bom sentido) com um programa cheio de efeitos visuais, trilha de Vangelis, rivalizando com tudo que o cinema da época trazia.

Cosmos, de Carl Sagan é uma História do Universo, com toda a grandiosidade de uma proposta assim. Em treze episódios somos apresentados a buracos negros, DNA, Evolução, Vida Alienígena, Curiosidade, Inventividade e o Método Científico.

Como uma vela acesa espantando a escuridão da Ignorância, durante 13 episódios vimos o triunfo do intelecto sobre a superstição, aprendemos com Carl que os átomos que nos compõe, como carbono e oxigênio são gerados no núcleo de gigantes vermelhas. Não somos feitos de barro, mas de estrelas.

Aprendemos que a curiosidade é a maior qualidade humana, que nunca devemos ter medo de questionar, e jamais aceitar dogmas. Já no primeiro episódio Carl conta a história de Eratóstenes, diretor da Biblioteca de Alexandria por volta do Século III AC. Em uma época onde o consenso era uma Terra Plana, ele percebeu uma inconsistência: Objetos em Siena no meio-dia de 21 de junho apresentavam sombra, já em Alexandria, não produziam nenhuma.

Usando apenas geometria, intelecto e varetas Eratóstenes mediu o ângulo da sombra. Sabendo a distância entre as cidades (ele pagou um sujeito pra andar os 800 km) ele deduziu que a superfície da Terra era esférica. Com as informações de ângulo e distância, calculou o raio da Terra em 6.363 km. Os valores mais atuais, calculados e medidos com  tecnologia 2.000 anos mais avançada que a disponível para Eratóstenes são de 6.371 km.

varetas, luz e inteligência.

Para mais detalhes sobre o cálculo de Eratóstenes, visite este post no Física na Veia.

Carl introduziu o conceito de Ano Cósmico, colocando a Humanidade em perspectiva. Se a História do Universo tivesse um ano, a Terra só teria surgido em meados de Setembro, e a Vida logo depois. Já a Humanidade, seus sonhos, conquistas, atrocidades, tudo ocuparia os últimos segundos de 31 de dezembro. Os primeiros humanos surgiram às 22:30 de 31 de dezembro.

Essa lição de perspectiva foi lindamente resumida no texto Pálido Ponto Azul, que Carl Sagan escreveu, baseado em uma imagem da Terra vista de 6,4 bilhões de km de distância, pelas câmeras da Voyager I:

http://www.youtube.com/watch?v=40dql8LFDyslorddracon — Pálido Ponto Azul (Legendado)

Não só astronomia foi contemplada em Cosmos. Ciências como Biologia tiveram seu espaço, inclusive com uma recriação do clássico experimento Miller-Urey, que simulou a atmosfera da Terra primordial, bombardeou os gases com descargas elétricas e obteve nada menos de 22 aminoácidos diferentes, moléculas que são blocos básicos para formação de proteínas. De forma alguma esperavam que algo saísse rastejando do experimento, mas dada a escala de tempo foi incrivelmente fácil, em uma semana 10% a 15% do Carbono já estava associado na forma de compostos. Imagine em um bilhão de anos.

Shiva e o Mito da Criação

Em tempos de fundamentalismo religioso, é irônico que para tanta gente o primeiro contato com os mitos de Criação de religiões não-abraâmicas tenha sido um programa científico, mas Sagan não tem problemas em expor essas histórias tão ricas e diversas, fruto de um desejo primal de conhecer a própria origem.

Carl Sagan morreu no dia 20 de dezembro de 1996, tendo deixado um legado e um exemplo. No dia de hoje ele estaria fazendo 76 anos.

Seu filho Nick é roteirista tendo escrito vários episódios de Star Trek, incluindo uma homenagem ao pai no episódio Terra Prime, de Star Trek: Enterprise, S04E21, onde um memorial em Marte leva o nome do astrônomo e exibe a Sojourner, o primeiro robô móvel a explorar o planeta.

TheDashboardSaint's channel — Carl Sagan Memorial Station

Cosmos é a Obra-Prima de Carl Sagan, mas nem de longe seu único trabalho. Além de importantes contribuições na astronomia planetária, ele mantinha atenção na Terra, sendo um ativista contra a corrida armamentista e proliferação nuclear e um dos primeiros a alertar para o Aquecimento Global e o Efeito Estufa. Seus livros iam da ficção científica ao funcionamento do cérebro, como  o excelente Dragões do Eden (que está esgotado, mas Crepúsculo sempre tem), livro que quando fui procurar na livraria de meu bairro, recebi como resposta: “Não trabalhamos com livros religiosos”.

Eu até pensei em me ofender, mas o vendedor-salsinha sem-querer acertou, pois uma das frases preferidas de Sagan citada em Cosmos é do astrônomo, matemático, físico e inventor do Século XVII Christiaan Huygens: “O mundo é meu país, ciência minha religião”.

O legado de Sagan vai além dos livros e filmes. Em 1972 o jornalista Eric Burguess sugeriu depois de uma visita ao Jet Propulsion Laboratory que as sondas Pioneer levassem uma mensagem para uma eventual civilização alienígena que as encontrasse. Sagan adorou a idéia, a NASA topou mas só tinham 3 semanas para elaborar a placa. Junto com Linda, sua 1a esposa e o astrônomo Frank Drake, Carl projetou uma mensagem indicando a localização da Terra em relação a um conjunto de pulsares, mostrando um casal de humanos com suas dimensões médias, o Sistema Solar e a Terra em destaque.

PPlaque

A placa foi parte das sondas Pioneer 11 e 10. Essa última foi o primeiro objeto feito pelo Homem a deixar o Sistema Solar, devendo chegar em Aldebaran em uns 2 milhões de anos. Carl Sagan morreu mas seu trabalho pode um dia ser a única evidência de que a Humanidade existiu. É gratificante acreditar que um dia em um futuro distante criaturas inteligentes encontrem a Pioneer, examinem a placa e por um minuto pensem nas criaturas há muito extintas que ousaram olhar para os céus não com medo, mas com curiosidade e expandindo os limites de sua tecnologia lançaram uma garrafa no oceano cósmico dizendo “veja, eu também já vivi!”

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