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Desculpem jornaleiros mas amadores não acharam satélite perdido da NASA.

Ao contrário do que você leu por aí, um grupo de astrônomos amadores não achou um satélite PERDIDO da NASA. Eles descobriram que um satélite ABANDONADO estava funcionando, mas aí a manchete não fica tão boa, né?

6 anos atrás

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Existe em jornalismo um negócio chamado “histórias de interesse humano”, que é mais que uma editoria. É uma forma de abordagem onde você utiliza manipulação emocional para conseguir o máximo de empatia do leitor. Há toda uma série de regrinhas para amplificar a história. Por exemplo: “Jovem passa em primeiro no vestibular”, não fez mais que a obrigação. “Jovem carente”, a situação muda. Se for filha de mãe doente, se tiver alguma deficiência física, vende jornal feito água. “Jovem pernetinha carente órfã do Morro do Ornitorrinco passa em primeiro para Medicina”? Especial de 10 minutos no Fantástico.

Histórias de superação? Vendem jornal a rodo. Por isso ex-cracudos toda hora aparecem na mídia, todo mundo adora ver uma história de superação e redenção.

Outro modelo que o público adora são as histórias onde pessoas simples e bem-intencionadas superam profissionais sem coração. Daí aquela imensa bobagem “o Titanic foi construído por profissionais, a arca de Noé por amadores”. Essa abordagem rendeu milhões de cliques essa semana pra sites que manchetaram “amadores encontram satélite perdido da NASA”, como se fosse um feito incrível e tivessem humilhado terrivelmente aqueles nerds arrogantes de Houston.

A realidade como sempre é bem menos dramática. O que realmente aconteceu:

O grupo de amadores estava rastreando o céu atrás do ZUMA, aquele satélite espião misterioso que somente a internet acredita que caiu no mar por causa da SpaceX. Por acaso eles detectaram um sinal do IMAGE (Imager for Magnetopause-to-Aurora Global Exploration), um antigo satélite científico da NASA.

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O Image foi lançado no ano 2000, e funcionou até 2005, bem além de sua vida útil planejada, que era de 2 anos. Depois de encher a NASA de suculentos dados sobre a magnetosfera terrestre e gerar mais de 400 trabalhos científicos publicados, ele travou. Feio. Por semanas a NASA tentou de tudo. Mandou comandos de reset, aumentou potência dos transmissores de terra, comandou o satélite pra mudar a velocidade de rotação, pra ver se ele respondia aos comandos mesmo sem transmitir de volta, tentaram ficar 3 dias sem enviar NADA, pra forçar uma rotina de contato de emergência, nada.

Em 2007, a última tentativa: o IMAGE iria passar pela sombra da Terra, e as baterias não iriam aguentar. Ele iria se desligar, o que forçaria um reboot. Passou o eclipse e nada, nem um bip. A NASA decidiu encerrar a missão, marcou o IMAGE como morto e segue a vida.

A surpresa do grupo de canadenses foi descobrir que o IMAGE voltou a transmitir. Não sua posição. Ele não foi PERDIDO, foi ABANDONADO. A NASA sabia exatamente onde ele estava, em uma órbita de 1.000 × 46.004 km e inclinação de 90,01 graus.

Está todo mundo curioso para saber se o IMAGE ainda está funcionando direito, se os instrumentos ainda vivem ou se sofreram degradação, isso é informação útil, mas há um pequeno problema: ninguém mais tem o software.

Isso mesmo. A NASA não tem mais os softwares, os sistemas operacionais e pelo visto a documentação do satélite. Segundo dizem terão que fazer engenharia reversa para decodificar os sinais, já que os programas usados sofreram tantos upgrades que não reconhecem mais as transmissões.

É provável que eles “deixem para a comunidade” a tarefa de decodificar os sinais, o que é uma elegante e educada forma de agradecer a “descoberta” do satélite sem ter que dedicar homens-hora pra esmiuçar dados que ninguém realmente se importa.

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