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Evite meter o dedo na tomada, por favor!

Confira um breve tutorial sobre energia elétrica no Brasil.

15 anos atrás

Pode parecer implicância minha, mas, ao lidarmos com tanta tecnologia à nossa volta, na forma de várias máquinas, encaixadas (ai!) em outras máquinas (ui!), parece que pouco nos importamos como essas coisas realmente funcionam. Ou como deixam de funcionar. 🙁 😕

Bom, do que esses seres (ainda…) inanimados se alimentam? Do que precisam para continuarem funcionando fortes e saudáveis? O que podemos fazer para que nossos queridos e amados gadgets vivam por mais tempo ao nosso lado? Esta última pergunta tem uma resposta um tanto em aberto, mas as duas primeiras perguntas têm basicamente a mesma resposta: energia elétrica de boa “qualidade”.

Wikipedia - IEC 60906-1, international 250V socket
Acima: tomada monofásica internacional, adotada, por enquanto, apenas no Brasil

E o que seria essa energia elétrica e que variáveis deveríamos considerar para avaliarmos sua “qualidade”…?

Primeiro, vamos definir o que é a energia elétrica:

A energia elétrica é aquele trabalho em potencial, aquela energia que é transmitida pelo movimento, pelo fluxo dos electrões livres num material condutor, ou seja, num material que permita o fluxo deles por apresentar a menor resistência possível à esse fluxo dos electrões. Fluxo esse que ocorre de uma região de maior potencial para outra de menor potencial elétrico.

Complicado? Permita-me fazer uma analogia com encanamentos de água…

Laguna_Olha_o_cano

Usando o bom senso, na interpretação da simplória figura acima, notamos que o boneco da figura está prestes a tomar um belo banho e percebemos que a caixa d'água está bem acima da boca de saída do encanamento, o “chuveiro”.

A caixa d'água está acima do “chuveiro” por causa da gravidade: a água “cai” da caixa, e esse líquido flúi dentro do encanamento, molhando o boneco que está embaixo do “chuveiro”, “chuveiro” esse que está abaixo da caixa d'água.

Se a caixa d'água estivesse numa altura mais elevada, a água fluiria com mais “força”, molhando o boneco mais rapidamente, ou seja, considerando o chão como a referência, o nível zero, a caixa teria, então, um maior potencial hidráulico.

Sim, e o que isso tem a ver com a energia elétrica?

Se substituirmos a água pelos electrões livres, teremos a seguinte situação: devido à diferença de potencial elétrico existente (a força de gravidade), os electrões livres fluiriam da região de maior potencial (representada pela caixa d'água) para a região de menor potencial (o boneco), através do fio condutor (o encanamento) com determinada intensidade de corrente (vazão da água, o volume do líquido que escoa num período de tempo). E isso tudo seria o circuito elétrico. :O

Certo, a analogia agora me parece razoável, tudo bem. E agora, tio Laguna, que variáveis existem na tal energia elétrica?

Antes de qualquer coisa, as tais variáveis são as grandezas elétricas, que usamos para quantificar as características desse tipo de energia. São elas:

Carga elétrica — supondo que aqui ninguém fugiu das aulas de química, todos sabemos muito bem o que vêm a ser as partículas elementares da matéria: o electrão, o neutrão e o prótão, que compõem o antes indivisível átomo.

Laguna_Copper

Saindo um pouco da química e indo para a física, ou versa-vice, temos que o electrão teria carga elemental “negativa”, enquanto o prótão teria carga elemental “positiva” e o neutrão deixamos um pouco de lado, já que é “café-com-leite” e não possuiria carga elétrica alguma, por convenção.

O fluxo de electrões livres (digo livres pois o material, quando bom condutor, precisa de menor energia para liberá-los do átomo e fazê-los circular na banda de condução desse e dos átomos vizinhos do mesmo material) ocorreria entre uma região “carregada”, onde haveria maior carga de electrões, para uma região “menos carregada” do circuito elétrico, onde há menor carga elétrica, visando o equilíbrio.

Certo, e daí? Qual a utilidade disso na prática?

Bom, a bateria de 6 células de um netbook como o Eee PC 1000HA, possui carga de 23,76 quilocoulombs, ou seja, a bateria, quando completamente recarregada, possui um “desequilíbrio” de 23,76 kC (ou 6.600 mili ampère-hora), “desequilíbrio” esse que alimentará o elemento que dissipará a energia transmitida pela carga elétrica fornecida ao circuito, o netbook em questão. 8)

Tensão elétrica — ela também é conhecida como força eletromotriz ou diferença de potencial elétrico e é a característica da energia elétrica que mais confunde as pessoas, mas, ao observarmos o que ela significa na prática, possa ser que esclareçamos as dúvidas de alguns.

A tensão elétrica é a energia potencial que a carga elétrica consegue transmitir à um determinado elemento do circuito elétrico. Traduzindo: o tal elemento do circuito EXIGE que determinada energia seja transmitida por aquela carga elétrica, para ele funcionar e realizar sua tarefa.

No caso do netbook em questão, ele exige que 7,4 joules de energia sejam transportados para cada coulomb que percorra o circuito. Como 23.760 coulombs serão fornecidos pela bateria, ela fornecerá 175.824 J de pura energia potencial.

Isso é muita ou é pouca energia potencial?

Bom, se essa bateria de íãos de lítio tiver sido malfeita, e toda essa energia potencial viesse na forma de uma bela explosão, ou seja, sendo diretamente convertida em energia térmica, a consumir todo o material armazenativo da bateria, do tal netbook, e, considerando que o ar seco tenha densidade de uma grama para cada litro, digamos que o estrago faria com que, em apenas um segundo, 1 metro cúbico de ar tivesse a temperatura elevada em 175,8ºC. }:)

Bateria malfeita faz um laptop explodir

Voltando ao assunto principal, a tensão elétrica é medida em joules por coulomb, ou J/C. Mas, num momento de pura inspiração, um GNU/Físico visionário resolveu que seria melhor simplificar tal unidade e assim homenageou J/C como volt (V) em homenagem à pilha.

O grande problema sobre essa grandeza, a tensão elétrica, é que muita gente, em especial os péssimos tradutores, acham que podem confundí-la com pilhas, chamando-a por essa unidade, usando um termo horrível como “voltagem”. :O :sick:

Lembrando que unidade é a quantidade física, uma medida padrão de uma grandeza, não a própria. Pelo menos no idioma português, e isso vale tanto para o lusitano (electrão) quanto para o brasileiro (elétron). 😉 8)

Um detalhe a ser considerado sobre maiores valores de tensão é a rigidez dielétrica de um material isolante, que seria a capacidade de isolamento desse material, impedindo que ocorra uma provável e danosa descarga elétrica em um ser vivo, por exemplo.

A rigidez dielétrica do ar seco é por volta dos 10 kV/cm ou 1 mega volt por metro. Isso quer dizer que se você quer medir a tensão elétrica de um raio, basta você saber de que altura ele “caiu”. 🙂 😀

Corrente elétrica — aqui é que entramos numa antiga guerra: a corrente contínua versus a corrente alternada. Espero que você tenha conseguido ler e compreender o meu texto até o parágrafo anterior, pois assim será mais fácil compreender a diferença entre as duas correntes:

A corrente contínua nada mais é que o fluxo contínuo dos electrões livres por todo o circuito, ou seja, um determinado electrão sai da região "mais carregada" e vai equilibrar a região "menos carregada", percorrendo, de facto, todo o circuito, visando o equilíbrio da fonte, geralmente um acumulador de carga, algo na forma de uma bateria ou pilha.

Já a corrente alternada é um conceito um pouco mais complexo, mas, basicamente, é o seguinte: sabe aquela “ôla” que as torcidas organizadas fazem nos estádios?

É basicamente o mesmo princípio, só que, no circuito em questão, gera, no material condutor, uma onda senoidal eletromagnética que carrega energia elétrica: o electrão de um átomo “cutuca” o electrão do átomo vizinho, que pertuba um terceiro electrão e assim, sucessivamente.

Como vemos no gráfico a seguir, a tensão elétrica em corrente alternada acaba variando entre + 311 e – 311 volts, por exemplo, o que nos obriga a determinar a média quadrática de tal onda senoidal, para obtermos o valor nominal dessa tensão, em comparação com a tensão em corrente contínua, a chamada tensão eficaz, que resulta no valor nominal de 220 V. Existe um padrão ridículo de 110/115/127 V, mas nem me darei ao trabalho de comentá-lo.

Laguna_Sinewave

Tanto faz se a corrente é contínua ou alternada, já que a grandeza corrente elétrica é uma taxa, ou seja, é a quantidade de carga elétrica que percorre o circuito, passando pelo condutor num determinado período de tempo, como a vazão da água num encanamento. Essa grandeza tem como unidade padrão o coulomb por segundo, ou C/s, mas os GNU/Físicos acabaram homenageando o cara que ligou a eletricidade ao magnetismo e assim o C/s virou ampère (A).

E a intensidade de corrente de 1 A é muito ou é pouco?

Depende de nosso referencial: se 0,1 A atravessar um coração humano, essa descarga causará grave arritmia cardíaca e uma conseqüente morte ao azarado, caso não revertida a tempo. Se o indivíduo conseguir realizar a façanha de sobreviver à essa corrente, ficará com graves seqüelas no músculo cardíaco. 🙁

Por outro lado, o atual padrão USB 2.0 pode fornecer 500 mili ampères (0,5 A) à uma tensão contínua de 5 volts, enquanto o padrão USB 3.0, retrocompatível, oferece a mesma tensão elétrica, mas pode fornecer até 900 mili ampères ao dispositivo à ele conectado.

Quer dizer que, se eu meter o dedo num conector USB, eu morrerei? Corrão!

:O

Não, também não é assim: você só teria risco de morte se fincasse duas agulhas no peito e as ligasse na tal interface. Nem tente isso em casa, até porque o USB não fornece a quantidade suficiente da próxima grandeza...

Potência elétrica — não há muito mistério aqui, é só multiplicarmos a tensão pela corrente elétrica fornecida, à determinado elemento do circuito, e aí obtemos essa taxa de conversão, da energia elétrica, em energia transferida ao dispositivo que a dissipará.

Laguna_mesma_tensao

Voltando à analogia com encanamentos de água, qual dos dois bonecos acima se molharia mais e mais rápido?

O verde (à direita...) se molhará mais e mais rápido (levará uma descarga, um choque elétrico de maior potência), já que, apesar de ambos os encanamentos possuírem o mesmo potencial hidráulico (a altura, a força de gravidade, a tensão elétrica), possuem quantidades diferentes de líquido e diferentes vazões, ou seja, os canos mais grossos liberam maior quantidade de água em menos tempo (maior corrente). 😛

A potência elétrica é medida em joules por segundo, ou J/s, mas, os GNU/Físicos, sempre pensando no futuro, ao homenagear os grandes nomes do passado, homenagearam a tal unidade com o sobrenome do engenheiro que transformou energia térmica em energia mecânica, rebatizando a unidade com o nome watt (W, pronuncia-se uóti).

Resistência elétrica — nos encanamentos, essa grandeza seria melhor representada pelos obstáculos que impediriam o livre escoamento da água, como rugosidades nos canos ou mesmo entupimentos parciais, diminuindo a vazão da água, a corrente elétrica que passa pelo circuito. A resistência elétrica é medida em ohms (Ω).

Apesar de semelhante ao conceito de rigidez dielétrica, a resistência elétrica é a oposição à passagem da corrente elétrica num material condutor, ou seja, num material que possua a banda de condução e permita a passagem dos electrões livres mesmo com alguma dificuldade, enquanto a rigidez dielétrica já seria relacionada com a capacidade de o material não ser condutor, mas o sê-lo num caso extremo, sob pena de destruição do próprio material. Na analogia, a rigidez dielétrica seria semelhante à vazamentos dos canos, que molhariam o que não deveria ser molhado. 🙂 😀

Qual seria a relação entre a resistência elétrica e a rigidez dielétrica?

Laguna_Raio

Isso mesmo, o raio. Esse fenômeno atmosférico é constituído por uma enorme descarga elétrica, em corrente contínua, entre nuvens carregadas de electrões e a Terra, que seria o referencial zero.

Quando um pára-raio é instalado em cima de uma edificação e instalado adequadamente (com um bom condutor de proteção, isolado da construção e ligado à uma haste de aterramento bem inspecionada...), o pára-raio torna-se o referencial zero, a região de menor potencial elétrico, e evita que o relâmpago cause maiores problemas. 🙂 😀

Podemos dizer que o pára-raio diminui a rigidez dielétrica a ser vencida entre a Terra e a nuvem, enquanto o condutor de proteção dele deve ser a menor resistência possível entre o pára-raio e a haste de aterramento, fincada na Terra.

Agora posso explicar sobre a tomada lá em cima… 😉

Aquela tomada, para tensão em corrente alternada de instalações monofásicas, será a adotada no Brasil e é compatível com a maioria dos plugues dos aparelhos eletrodomésticos à venda, se não todos. Essa tomada monofásica foi a aplicação direta do IEC 60906-1, originalmente proposto para ser o substituto do que se convenciona hoje como a tomada européia, que seria uma mistura do padrão L italiano e o padrão J suiço, incompatível com ambos, apesar da pinagem igual:

O condutor fase seria aquele de maior potencial, enquanto o condutor neutro seria aquele de menor potencial, ambos fornecidos pela concessionária de energia da região onde se encontra sua residência. Juntos, eles podem alimentar qualquer qualquer equipamento monofásico, desde que ele não possua carcaça metálica e esteja bem dimensionado para a tal tomada.

Já o condutor de proteção é o referencial zero e serve para equipotencializar a carcaça metálica de um determinado aparelho à terra, vulgo “aterrá-la”. Isso é necessário para que uma corrente de fuga não eletrocute alguém que tenha contato com a carcaça metálica de tal aparelho, já que a corrente de fuga teria maior facilidade de fluir para a Terra através do condutor de proteção, do que pelo corpo de qualquer ser humano, mesmo molhado, no caso de a instalação contar com o DDR.:?

DDR no caso é o Dispositivo Diferencial Residual, que desliga o fornecimento de energia elétrica no caso de a corrente de fuga exceder um determinado valor, causado pelo contato humano com o condutor fase.

Seja como for, contando ou não com o DDR, evitem colocar o dedo na tomada, pessoal. 😉 8)

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