Gilson Lorenti 8 anos atrás
Somos muito práticos em discutir problemas do mundo (sociais ou ambientais), mas somos muito ruins em fazer alguma coisa. Pessoas em partes distantes, e economicamente desinteressantes, do mundo morrem aos milhares e estamos mais interessados com o final do Reality Show bacana da TV. Pessoas morrendo na Síria? Sim, é importante, mas hoje tem o final do MasterChef, vamos discutir isso depois. Estupros no Sudão? Uma grande tragédia, mas no momento estou vendo a briga entre coxinhas e petralhas. No final, o grande público não se importa, pois é longe e fazer algo efetivo demandaria muito trabalho (bater panela só é alguma coisa se você estiver vendendo ela). E a vida segue.
Confesso a todos que estou muito cheio dessa onda do politicamente correto que só vê um lado da história. Geralmente o lado mais cômodo (e nem estou falando dos malucos que aparecem no Twitter). Por isso que não acho estranho a revolta e polêmica que causou a capa da Revista Time da semana passada.
A matéria que originou a foto tem o singelo título de “The Secret War Crime: Ending the source of conflict rape” e estampa na capa da revista a foto de Ayak que foi repetidamente violada por soldados de seu país durante a guerra civil no Sudão do Sul. A foto, muito bonita, foi feita pela fotógrafa de guerra Lynsey Addario que também possui um histórico de agressão sexual em conflito. Em 2011 ela foi capturada por soldados do exército líbio e sofreu agressão sexual dos mesmos.
A foto mostra Ayak ao final de sua gestação de 9 meses. A reação contra a publicação foi gigantesca. Várias pessoas declararam (via Twitter, a única fonte de movimentação social que essas pessoas conhecem) que a revista estava se aproveitando da moça, colocando uma vítima de estupro semi-nua em sua capa. Houve defensores do posicionamento da revista, mas quem espalha algo negativo sempre tem mais visibilidade.
A capa é perfeita. Em sua simplicidade ela cumpre o objetivo de informar e, acima de tudo, nos agredir. Uma martelada em nossa consciência por nos lembrar que o mundo é escuro e cruel e que não fazemos nada, e as vezes nem nos importamos, para mudar isso. A guerra civil no Sudão do Sul foi bárbara. Além de estupros sistemáticos também há relatos de canibalismo forçado (pessoas eram obrigadas a comerem parentes e membros da comunidade).
Lyndsey, na mesma revista, assina um artigo intitulado “The Secret War Crime: How Do You Ask Women to Relive Their Worst Nightmares”, onde conta a história de como foi a experiência e o processo de fotografar Ayaka para a capa da revista. Temos aqui o indicativo de como foi a conversa inicial, o desenvolvimento do ensaio e como a modelo reagiu a toda a experiência. Para a fotógrafa “parecia que o próprio ato de fotografar Ayak e seu filho que estava para nascer deu-lhe a oportunidade de comemorar a mesma coisa que seus agressores haviam tentado roubar dela — sua beleza e sua dignidade”.
A fotografia também serve para denunciar. Se você se sentiu ofendido por essa capa, então a foto cumpriu a sua tarefa. Resta saber se a sua ofensa está ligada ao seu senso estético ou se simplesmente pelo fato de levar uma vida preocupada com coisas fúteis.
Fonte: Petapixel.