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Resenha: Silicon Valley — quase tão surreal quanto a realidade

Existem algumas pérolas esquecidas na grade das emissoras, Silicon Valley é uma dessas. Uma comédia daquelas que te faz voltar pra ouvir o que perdeu por estar rindo, ao mesmo tempo é terrivelmente realista ao mostrar o dia-a-dia das startups de internet e do mundo doido dos investidores, bilionários hipsters e similares. Nem precisa ler a resenha (mentira precisa sim) → assista, yo ricomendo!

8 anos e meio atrás

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Uma vez um diretor me mandou orçar um CD. Eu perguntei qual o conteúdo, pois isso variava imensamente, se for só texto sairia a R$ 0,50 a cópia, e houvesse programação, produção de vídeo, o preço sobe. Tomei uma bronca. Eu quero o custo de um CD, porra, não quero ficar respondendo perguntas, me dá uma merda de um valor!

Como eu ganhava muito mais do que valia (ainda ganho mas não deixem o Nick ler isso) o meu chefe imediato foi me buscar no bar, me acalmou e explicou: Chuta pra cima, MUITO pro alto assim ele desiste. Fui na internet, roubei uma planilha de projeto audiovisual, chutei valores e deu uns R$ 380 mil.

Semanas depois me chamam para uma reunião de diretoria. Estão apresentando o tal CD como um produto final (NADA existia além do meu Excel e uma descrição do que o produto seria, e não, os dois não batiam). Uma planilha mostrava a parcela da população brasileira que não usava o produto ou algo similar. Aquele era o mercado potencial, que magicamente virou projeção de vendas. Vi um dos diretores alterar valores no custo unitário (que já era arbitrário) e todos se deliciavam com os milhões que a empresa iria ganhar, se 87% da população brasileira comprasse o produto.

Claro, não deu em nada.

É surreal, eu sei, mas é o dia-a-dia de muitas startups, por isso a excelente Silicon Valley, da HBO bateu tão forte quando assisti. É (razoavelmente) exagerada, mas retrata fielmente o mundo pós-bolha. Para quem vive ou viveu esse mercado, é tão realista quanto Scrubs, no sentido de exagerar o que é ou deveria ser irreal, e enfiar a faca e torcer no que é verdadeiro.

Na série Richard Hendricks é um programador, tímido que pede demissão da empresa onde trabalha para se juntar a uma incubadora e tocar seu projeto, um aplicativo de busca de músicas chamada Pied Piper.

O dono da incubadora é Erlich Bachman, sujeito que ficou rico com um app e sonha em repetir o sucesso, dividindo espaço em sua casa com vários jovens progr… — tá, o termo bonitinho é “empreendedores”, mesmo com idéias como o Nipple Alert, um app que identifica nas proximidades mulheres que estejam… err… de “farol aceso”.

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Como achar o nome ideal da startup? Cogumelos alucinógenos, claro.

Apps idiotas são um tema constante na série, que mistura nomes reais conhecidos como Google e Apple, e Microsoft. Em uma cena o CEO da Evil Corp (ops, essa é outra série. CEO do Hooli, basicamente Google disfarçado) está sendo informado do fracasso de um produto.

Ele pergunta à equipe:

“É um fracasso nível Windows Vista, não?”

[silêncio]

“Não é um fracasso iPhone 4, é? Porra, não me digam que é nível Zune!”

“Desculpe, Gavin" — diz a assessora — “é nível Apple Maps”.

A cultura do Vale do Silício é exagerada (talvez) com as festas desnecessárias, os CEOs com suas elucubrações filosóficas e gurus, e o desejo quase fetichista de “fazer do mundo um lugar melhor”. TODA startup, todo CEO usa o mesmo discurso, ninguém monta empresa pra ganhar dinheiro, a cultura liberal criou o estranho conceito de bilionários que juram não ligar pra dinheiro.

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Em outra cena Gavin Belson, o CEO malvado dá um esporro em sua equipe, reclamando da competição que os ultrapassou em performance e tecnologia, e solta a pérola:

Eu não quero viver em um mundo onde alguém está tornando o mundo um lugar melhor, melhor que a gente.”

A série mostra a trajetória de startup, as discussões com investidores, mudanças de foco no produto, dramas de financiamento e como personalidades excelentes do lado técnico como Richard são péssimas apresentando produtos, e no final o Eric, que fica fumando maconha o dia inteiro acaba na linha de frente, fazendo a ligação entre os programadores e o mundo real.

Silicon Valley é cheia de participações especiais, com Kid Rock, Eric Schmidt do Google, Michal Arrington, fundador do TechCrunch, Walt Mossberg, jornalista de TI, Drew Houston, CEO do Dropbox, entre outros.

Não é uma série estilo Aaron Sorkin, os personagens não são idealistas perfeitos, não fazem grandes discursos, são um grupo de jovens talentosos tentando ganhar a vida e acertar a sorte grande com muito trabalho. Não tem piadinhas fáceis, não faz humor de muleta nem “Humor do Bem”. Em uma brilhantemente realista cena no final da primeira temporada o grupo está frustrado por saber que não vão conseguir apresentar o produto na TechCrunch Disrupt, o concurso de startups.

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Erich diz que o único jeito seria ele… err… masturbar todos os membros (com trocadilho) da platéia. Outro personagem diz que é impossível em dez minutos. Daí eles começam a calcular as variáveis, otimizando tempo e ações. É uma cena nada família, mas que se encaminha para um clímax (também com trocadilho) que salva o dia.

Quanto ao método? Bem, digamos que alguém se deu ao trabalho de escrever um trabalho científico com a pesquisa, de título “Optimal Tip-to-Tip Efficiency — a model for male audience stimulation”.

Silicon Valley é criação de Mike Judge, o sujeito por trás do excelente documentário futurista Idiocracy. Vai ao ar na HBO e na locadora do Paulo Coelho , a terceira temporada já está encaminhada. Se você quer ter uma idéia desconfortavelmente real do que acontece por trás de seu app preferido, essa é a série. Se você trabalha no mercado de TI e Startups, e quer manter a sanidade rindo de si mesmo, essa é a série.

Silicon Valley Season 1: Trailer (HBO)

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