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Da nobre arte de mentir com estatísticas

Uma vez kibei uma piada do Dilbert e acabei deixando a empresa no maior climão: comentei que havia reparado que 40% das ausências com atestado eram segundas e sextas. Quase gerou investigação interna. Não saber estatística é um perigo, assim como saber pouco ou saber e usar para o Mal. Clique e veja como estatísticas não só não causam autismo como mostram que… câncer causa celulares.

10 anos atrás

Sério, não acredite neste lixo.

Sério, não acredite neste lixo.

O gráfico acima é usado por toda uma horda de retardados que, em busca de uma explicação para uma doença que ainda não entendemos bem, o autismo, achou nas vacinas seu grande vilão. Infelizmente (para eles) o ÚNICO estudo que apontava uma correlação — fraca — entre vacinas e autismo foi retirado de circulação, por falhas grotescas de metodologia, minúsculo universo de amostras e… má-fé. O responsável perdeu inclusive sua licença médica.

Mesmo assim o gráfico é real. Casos de autismo aumentaram ao mesmo tempo em que campanhas de vacinação eram lançadas. Então, estão certos?

Não. O que ocorre aqui é um exemplo de uma regra muito básica: correlação não implica causalidade. Vamos a um exemplo bem simples:

“Todas as vezes que estou vendo a novela das 7 minha vizinha chega em casa e acende a luz da sala.”

São eventos correlacionados no tempo e no espaço, mas independentes.

“Todas as vezes que minha vizinha me vê na janela ela coloca de volta o sutiã e fecha as cortinas.”

Aqui um evento é influenciado pelo outro. Há uma relação de causalidade.

Dados independentes podem ter uma relação assustadoramente semelhante. No gráfico abaixo são correlacionados o dinheiro gasto em ingressos para eventos esportivos nos EUA com a importação de petróleo bruto do Canadá. A relação entre os dois é mais que evidente, mas seria complicado formular uma teoria onde um evento influenciasse o outro.

money-spent-on-admission-to-spectator-sports-us_us-crude-oil-imports-from-canada

Mais um exemplo:

sociology-doctorates-awarded-us_deaths-caused-by-anticoagulants

Nem uma mente muito doente consegue achar uma explicação que associe doutorados em sociologia com mortes causadas por anticoagulantes, mas a mesma correlação sem causalidade é usada para justificar perseguição a videogames, medo de vacinas e histeria com celulares.

Sobre isso aliás o xkcd como sempre tem uma tirinha relevante:

cell_phones

Exato. Existe uma correlação entre o aumento da incidência de casos de câncer e a popularização dos celulares, mas como os casos de câncer aumentaram ANTES da chegada dos celulares, a única conclusão lógica é que câncer causa telefones celulares.

Um velho ditado diz que existem mentiras, mentiras absurdas e estatísticas. É verdade. Se eu comer dois frangos e você nenhum, estatisticamente cada um comeu um frango. Praticar desonestidade intelectual manipulando dados é algo que vai muito além dos IPEAs da vida. É muito fácil apertar torcer e torturar números.

A boa e velha frase medieval “sempre chove em Finados” por exemplo é um caso de Viés de Confirmação, onde só lembramos das vezes onde choveu, sem questionar sequer a irracionalidade da afirmação. Sempre chove. AONDE? No mundo todo? Certamente algum cientista teria percebido.

O famoso “mau pressentimento” de parentes de vítimas de acidentes aéreos é outro caso. Primeiro que TODA MÃE sempre tem mau pressentimento. Ou não tem, não importa, mas quando tem e não acontece nada, esse dado some.

Mais exemplos podem ser encontrados no excelente site Correlações Espúrias, que todo dia publica um gráfico com dois eventos absolutamente desconectados, mas que plotados se tornam argumentos para as mais desbaratadas teorias, como a afirmação de que investimento em ciências está relacionado com suicídios por enforcamento.

Portanto, fique atento quando soltarem estatísticas, projeções, gráficos e outras informações “definitivas”. Número por número, meu projeto de sair com a Luciana Vendramini já tem 50% de aprovação entre os envolvidos.

Nota: de forma alguma estou demonizando estatística. É uma ferramenta fundamental para entender cenários e tendências, longe da visão limitada e imediatista das pessoas. Bem usada é uma arma para o bem, como demonstra Hans Rosling, o Carl Sagan dos números, em sua excelente série Joy of Stats. Veja esta demonstração da variação entre Renda Per Capita e expectativa de vida no mundo, nos últimos 200 anos. É uma AULA, em 4 minutos, e que vai mudar um monte de conceitos. Sim, até a África melhorou bastante.

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