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Houston, temos um problemão — ou: a Morte do Cisne

Ao contrário dos Fogos Caramuru, às vezes foguetes espaciais dão chabu. Foi o que aconteceu com o Antares, da Orbital Sciences, que explodiu alguns segundos depois do lançamento, fazendo churrasquinho da nave Cygnus e de todo o resto da carga para a Estação Espacial Internacional…

9 anos e meio atrás

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Também serve “Incidente em Antares”, mas nenhum trocadilho besta vai alterar o fato que a exploração comercial do espaço é um negócio arriscado, e que sucessos anteriores não são garantia de sucessos futuros. Todo lançamento é perigoso. Você está lidando com pressões incrivelmente altas, gases que odeiam ser comprimidos e liquefeitos, centenas de toneladas de combustível altamente inflamável e temperaturas de metal incandescente. A tendência natural disso tudo é explodir, mérito é evitar que aconteça, o que nem sempre é possível.

Foi o que descobriram as dezenas de crianças do Student Spaceflight Experiments Program (SSEP) do Instituto Arthur C. Clarke de Educação Espacial (e outros), que tinham experimentos a bordo da cápsula Cygnus, que explodiu ontem junto com o foguete Antares, da Orbital Sciences. Vamos ver mais detalhes preliminares, mas primeiro o que todo mundo quer, eye candy, o show bem carinho e fogos de artifício:

http://www.youtube.com/watch?v=F6U-xbzgTH0NASA's unmanned Antares rocket explodes on launch — NASA TV

De longe…

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Aqui ponto de vista espetacular, em um monomotor a 3.000 pés:

Orbital Sciences Antares Explosion at Wallops from 3.000 ft

Esta é a melhor de todas, feita na área reservada para os jornalistas. Repare toda a inteligência e sagacidade dos profissionais que cobrem tecnologia espacial, se protegendo de uma explosão monumental fugindo para dentro de uma tenda de PRÁSTICO:

Antares rocket explosion seen from press site

As interwebs, claro, estão pipocando de bobagem, de acusações de sabotagem a gente comparando com o acidente com o foguete brasileiro para “provar” que os “americanos” também “não são tão bons assim”.

Perguntas e Respostas:

1 — Alguém morreu?

Não. As únicas vítimas foram uns camarões, algumas minhocas e vários coliformes fecais, que seriam usados em experimentos, provavelmente para determinar se o ambiente de gravidade zero afeta a capacidade colifórmica de transformar tudo em discussões “petralhas vs coxinhas” e postar “FIRST!” em comentários de YouTube. Os engenheiros responsáveis estavam todos em uma sala segura, bem antes do lançamento toda a área em volta é evacuada. Claro, ninguém achou ainda o estagiário que acende o pavio do foguete mas já tomaram providências, botaram um anúncio no jornal chamando novos candidatos.

2 — Os astronautas vão passar fome, sede, aderirão ao canibalismo?

Não. A ISS tem estoques para meses sem nenhuma missão de suprimentos. sem apertar o cinto, estão seguros até maio de 2015. Fora os experimentos eles perderam estoques de comida e roupas de baixo, que são aliás o que mais consomem. A ISS é um grande apartamento de solteiro. Como todo mundo só toma banho tcheco, usa-se a mesma cueca uma semana, depois jogam fora. No espaço não há lavanderia, e por favor sem piadas com o programa espacial chinês, isso seria de mau gosto.

3 — Qual foi o maior prejudicado?

Com certeza a Planetary Resources, a empresa que está planejando mineração espacial e fez um Kickstarter para construir um mini-telescópio. O Arkyd 3, protótipo de demonstração estava no pacote e iria ser lançado dentro de alguns meses da ISS. Agora vão partir pra construção da nova versão, o A6, sem os dados dos testes do A3, o que não é o cenário ideal. A Orbital Sciences também tomou uma lambada, além do prejuízo direto hoje ela tem várias concorrentes, e os clientes sempre pensarão duas vezes.

4 — A NASA falhou?

Não. A NASA aliás não tem nada a ver com isso, a Orbital é uma empresa privada prestadora de serviços. Ela só entra com a base de lançamento, que nem na Flórida é, fica na ilha Wallop, na Virgínia. A Fox News, claro, mudou o discurso, que antes era elogio à iniciativa privada, se tornou culpa da NASA. Thanks, Obama!

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5 — Isso vai parar toda a exploração por 2 anos, igual a Challenger, certo? Ou por 10 anos, como o Brasil, correto?

Não. Em verdade menos de 24 horas depois os russos lançaram com sucesso um foguete Soyuz levando uma cápsula Progress com suprimentos pra Estação Espacial. Mais tarde no mesmo dia 29, um Atlas 5 da United Launch Alliance decolou e colocou em órbita um satélite GPS. A grande vantagem de ter vários fornecedores é que uma falha em um não afeta o outro. A própria Orbital tem outros foguetes e métodos de lançamento, inclusive o Pegasus, que colocou em órbita o SCD-1 e o SCD-2, aqueles satélites de brinquedo que o Brasil construiu.

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6 — Ouvi dizer que tem dedo comunista nisso.

Tem sim, e nem é aquele pseudocomunista brasileiro que frequenta bares meio intelectuais meio de esquerda, posta a APA do dia no Instagram via iPhone e vai passar férias em Londres voltando por Miami pra rever a Disney. São comunistas mesmo, de raiz. O foguete Antares usa motores Aerojet AJ26s, que são apenas motores NK-33 soviéticos, construídos no final dos Anos 60 para o programa lunar deles.

Como russo é um bicho exagerado, eles fizeram centenas de foguetes. O programa lunar foi cancelado, os foguetes foram pro almoxarifado. Acabou URSS, acabou comunismo, o muro caiu e então resolveram que vender os motores pros porcos capitalistas decadentes ianques era uma boa idéia. E é. Como todo equipamento russo o NK-33 é pé-de-boi. São praticamente algumas peças de trator soldadas. A confiabilidade é excelente, apesar de tecnologia bem antiga.

Elon Musk não deixou isso passar, e nem é de hoje. Em 2012 em uma entrevista ele chamou o foguete da Orbital de piada, mencionando os motores russos dos Anos 60. Publicamente ele prestou solidariedade mas duvido que não esteja internamente rindo, pensando “eu avisei” e imaginando quantas armaduras Mark 47 ele não vai fazer com a grana dos novos contratos.

7 — Quais foram as causas do acidente?

Pois é. TODO acidente é a mesma história. Querem que as causas sejam conhecidas praticamente de antemão. Funciona assim: se as pessoas soubessem o que iria dar errado teriam consertado antes de se tornar um problema. Lançamentos são adiados por qualquer irregularidade. Mesmo esse foi cancelado no dia anterior pois um barquinho, daqueles singelos de Bossa Nova estava na zona de exclusão. Já houve lançamento cancelado no último segundo da contagem regressiva.

Agora a Orbital, a NASA e outros órgãos vão se reunir, montar uma investigação e estudar tudo, das várias imagens aos milhares de parâmetros de telemetria transmitidos pelo Antares. Ninguém está com pressa, há dinheiro demais envolvido. Se quiser acompanhar, este link tem as declarações oficiais.

Conclusão:

Shit happens, qualquer programa espacial vai passar por esse tipo de revés. O maior diferencial é a seriedade, e aí não é quem explode ou não, mas quem é burro o bastante para botar todos os ovos (ou cientistas) na mesma cesta.

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