Minha afinidade por brinquedos tecnológicos portáteis vem de muito tempo atrás. Tudo começou com meu pai.

O patriarca Nobre era técnico de informática (um padrão comum entre a turma que acaba se tornando fissurada em gadgets desde moleque), e lá pelos idos de 1991 ou 1992 ele recebeu da empresa para a qual trabalhava um laptop para ser usado em suas muitas viagens a trabalho.

Aliás, cabe aqui um pequeno parêntese: meu pai trabalhava naquela época para a COBRA, uma das primeiras empresas de tecnologia do Brasil. Imagine você a confusão na cabeça de uma criança que era ouvir seu pai chamando a empresa em que ele trabalha de “Cobra” — na mesma época em que Comandos em Ação passava na TV.

Por causa do ofício do meu pai, eu já era bastante familiarizado com computadores. Acontece que aquela era a primeira vez que eu via um computador portátil que podia ser levado para quase qualquer lugar.

E ele vivia fazendo isso. Meu pai sempre foi aquele entusiasta de tecnologia que adora apresenta-la pra leigos. Ele tinha como hábito instalar um software interessante no computador e, durante visitas ou qualquer outro tipo de encontro social, mostrar aos amigos. Ele frequentemente procurava soluções para problemas dos outros (digamos, um programa de agendamento para meu tio que tem sua própria empresa), só pra poder mostrar pros conhecidos e melhor embasar seu argumento de que “um dia, todo mundo vai usar essa caixinha aqui, você vai ver!”

E por isso eu me fissurei na ideia de tecnologia portátil. Àquela altura o console portátil icônico da Nintendo já estava disponível há alguns anos mas, como era um padrão pra muitos brasileiros aficcionados por tecnologia, só tive contato com a coisa muitos anos após sua estréia.

Creio que o ano era 1993. Até então eu não lembro de sequer ter ouvido falar do Game Boy; nenhum de meus amigos de escola tinha, e meu hábito de comprar revistas de games veio um pouco mais tarde. Não tivemos nem comercial brasileiro do primeiro Game Boy — o Game Boy Pocket teria, alguns anos mais tarde, uma série de propagandas feita no Brasil –, ou seja, eu não devia ser o único que não conhecia o portátil.

Entretanto, o termo “Game Boy” começou a ganhar a boca da molecada na locadora do meu bairro. Conforme manda o roteiro destas tradições orais de locadoras (como as lendas de videogames, por exemplo), a descrição do videogame mudava de acordo com quem falava sobre ele. Cheguei a ouvir falar que o Game Boy era um Super Nintendo portátil.

Após ouvir tanto falar sobre o console, finalmente tive uma oportunidade de conhecê-lo em pessoa. O irmão de um dos coleguinhas do bairro havia ganhado um Game Boy de aniversário; a história se espalhou pela turma e no mesmo dia estávamos lá, a molecada toda na porta da casa do garoto pedindo pra ver o aparelho.

O menino assentiu, mas antes avisou que o pessoal teria que ver o videogame ali na casa dele mesmo, já que seus pais o proibiram de levá-lo pra fora de casa por medo que o rapaz quebrasse o presente. Parece um disparate impor tal regra em relação a um console cujo carro-chefe é exatamente a habilidade de poder levar a qualquer lugar, mas ao menos na nossa geração era muito comum os pais estabelecerem regras sobre cautela em relação a brinquedos caros. Se você viu-se sujeito a uma norma paterna do tipo, compartilhe conosco nos comentários.

Pois bem, o menino trouxe o Game Boy — dentro da caixa e tudo, o que ele explicou orgulhoso ser a forma como ele guardava o console após cada jogada. Ele (que daquele dia em diante virou uma figura quase monarca entre a criançada do bairro) inspecionava atento as mãos da gurizada, pra assegurar-se de que não estavam sujas, e então entregava o videogame na mão de cada um pra experimentarmos.

Hoje o comportamento do garoto talvez soe exagerado; na época, no entanto, achei o cara extremamente generoso e solidário por simplesmente deixar-nos brincar com o console, ainda que por apenas alguns minutos. Era muito mais comum a donos de brinquedos do tipo não compartilharem de jeito nenhum.

E pronto. Dois minutinhos de Super Mario Land me deixaram completamente obcecado por um Game Boy.

Hoje em dia o que nos motiva a comprar um console é um Gears of War ou um Uncharted da vida. Há mais de uma década, era uma telinha monocromática que nos causava esse efeito.

Obviamente, nunca ganhei um Game Boy dos meus pais. Não consegui justificar para eles o preço alto que o console custava na época, então por toda a minha infância o Game Boy foi aquele sonho de consumo inatingível.

Muitos anos mais tarde, numas daquelas trocas malucas típicas do pátio de colégio (aqueles escambos do tipo “me dá seu Pense Bem que eu te dou quatro Cavaleiros do Zodíaco com as armaduras completas!”), um Game Boy acabou caindo em minhas mãos. Infelizmente para mim, o dono do console não estava disposto para uma troca definitiva; o Game Boy era apenas o pagamento que garantia que ele me devolveria meu CD de Full Throttle em boas condições.

Três dias mais tarde, quando o moleque zerou meu jogo, veio solicitar a devolução do console. Tentei até procurar algum dano no CD que me permitisse argumentar a favor da troca definitiva, mas não deu certo.

Avance pra mais de dez anos no futuro. Eu continuava tão obcecado quanto antes pela posse de um Game Boy, embora agora eu quisesse o aparelho mais como item de coleção do que qualquer outra coisa. Procurei o console incansavelmente em lojas de penhor, feiras de videogame e vendas de garagem, sem êxito.

Eu já sei o que você está pensando: o eBay oferece diversas opções, mas eu tinha algo contra a compra online. Por motivos que nem sei explicar, a caçada pelo console já tinha virado uma parte intrínseca da obsessão pela posse do mesmo. O Game Boy havia virado meu Santo Graal e eu parecia querer sabotar a mim mesmo para não dar fim à busca de quase minha vida inteira.

Até que finalmente o encontrei.

Quase vinte anos mais tarde (nossa, agora eu me senti velho…), minha busca terminou. Finalmente tenho em minhas mãos meu próprio Game Boy, comprado por um valor completamente desprezível (já gastei mais comendo em restaurante fast food). Por mais que a disparidade de preço seja comprensível graças à passagem do tempo, ainda dá um nó na cabeça saber que paguei tão pouco por algo que nunca tive por custar tão caro.

Não tenho nenhum jogo ainda (dessa vez acho que apelarei para os sites de venda online), e mesmo assim hoje passei um bom tempo apenas manuseando o console, sentindo a resistência dos botões, inspecionando cada detalhe e dando uma atenção que aquele meu tempo limitado com ele no passado não permitiu.

Você teve algum sonho de consumo inatingível entre os consoles? Se sim, você já tentou caçar o videogame antigo, por nenhum outro motivo senão finalmente te-lo?

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Izzy Nobre

Izzy Nobre

Ex-autor

Israel Nobre trabalhou no Tecnoblog entre 2009 e 2013, na cobertura de jogos, gadgets e demais temas com o time de autores. Tem passagens por outros veículos, mas é conhecido pelo seu canal "Izzy Nobre" no YouTube, criado em 2006 e no qual aborda diversos temas, dentre eles tecnologia, até hoje.

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