Compras coletivas? Não, compulsões coletivas

Bia Kunze
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• Atualizado há 1 semana

Assim como todo bípede com acesso a um mouse, entrei na onda das compras coletivas, mas não durei muito. Cinco cupons depois, abandonei a modinha.

Isso foi pouco antes dos sites de desconto terem se tornado uma febre que mudou radicalmente o comportamento dos internautas. Quando se trata de estatísticas, os números ligados a essa modalidade de comércio são tão grandes quanto os descontos oferecidos: calcula-se que, em 2010, o faturamento chegou perto de 1 bilhão de reais.

O número atual de sites desse tipo é estimado em 1.200, sendo Google e Facebook os mais recentes membros da família. Contudo, apenas os 3 maiores detêm 80% do faturamento. É uma bolha que já está emitindo sinais que vai estourar.

Qual o segredo do sucesso? Simples, o fenômeno explora de maneira mais impiedosa os anseios consumistas da humanidade contemporânea. Estamos numa era em que nunca foi despejada tanta propaganda em nossos olhos. “Compre! Compre! Compre!” repete a publicidade sem cessar, exibindo um ideal de beleza, sucesso e felicidade ao alcance de uma maquininha de cartão de crédito. Nem as crianças são poupadas.

Some-se a isso a recente bonança econômica brasileira, a ascensão da chamada “nova classe média” e o incentivo do governo através de corte de tributos e crédito farto… E temos uma explosão consumista sem precedentes.

Contudo, em certas pessoas, a febre já virou doença. Todos os dias, usuários reviram esses sites em busca das mais recentes ofertas e passaram a organizar seus cupons em planilhas ultra-sofisticadas. Sim, porque muitas promoções exigem certos pré-requisitos e possuem data de validade. Suas vidas se transformaram num malabarismo: para dar conta de todas as ofertas adquiridas, planejam almoços em horários estranhos, cruzam a cidade para ir numa clínica de estética obscura e não saem do telefone procurando um horário naquele cabeleireiro que só atende os clientes coletivos nas terças de manhã.

Esses descontos todos são mesmo vantajosos para os clientes? Creio que não. Primeiro, por causa do atendimento nem sempre adequado que se presta aos usuários desses sites. Segundo, porque tem-se a ilusão de economia, quando na verdade está se gastando como nunca.

Minha experiência boa foi numa sorveteria que já conhecia e que não impôs restrições de dia e horário de uso do cupom. Mas foi exceção. A maioria dos anunciantes são empresas novas, que aderem a essa modalidade mais para divulgar seu negócio do que faturar, já que certas promoções são praticamente a preço de custo. Muitas vezes, acaba rolando até um certo amadorismo no trato com os clientes.

Ao entrar na conta do seu site de desconto favorito, há sempre um painel que relaciona os cupons já emitidos, pagos e utilizados. Você descobre que na última semana gastou R$ 200 em cupons, mas não se abala, uma vez que o site espertamente soma todos os “descontos” e atesta com grande destaque: “Você já economizou R$ 2.700!” Uau! Isso o faz crer que tem R$ 2.700 sobrando no bolso, correto?

O economista comportamental e autor Dan Ariely escreveu um livro chamado Previsivelmente Irracional, o qual eu recomendo fortemente. Entre diversos casos de psicologia econômica, onde provamos que tomamos decisões de modo absolutamente irracional, Ariely mostra como nosso raciocínio é facilmente manipulado pelo marketing das ofertas imperdíveis.

Voltando às compras coletivas, você acredita que está economizando horrores, quando na verdade está consumindo sem necessidade alguma. Os prazos apertados para a aquisição dessas promoções estimulam ainda mais nossas compras por impulso. Adquirem-se produtos ou serviços simplesmente porque a promoção “é boa demais para ser perdida”.

No fim do mês, se você mantiver a média dos R$ 200 semanais que exemplifiquei, serão gastos no total R$ 800 fazendo mão e pé 2 vezes por semana, massagem facial, almoçando a 100 km de casa, encomendando chocolates e realizando pacotes de 10 sessões de corrente russa, seja lá o que isso for… (Quando você leu aquilo, imaginou-se acorrentado diante de um agente comunista gritando: “traidor da pátria, serás castigado!”, mas como em poucos minutos o número mínimo de compradores foi atingido, deve ser uma coisa boa, ?)

Não percebemos o quanto o incentivo ao consumo nos estressa. Precisamos ter os últimos modelos de celular e a roupa da moda. O carro precisa ser trocado a cada 3 anos, e sempre por um modelo superior, senão acharão que sua carreira vai mal. Temos que comer e beber fora de casa, ir na balada todo fim de semana e viajar para lugares legais (ou que dizem ser legais…) senão somos losers. Obviamente o salário não dá conta, e ano após ano, você trabalha mais e mais, até ganha aumento e promoções, mas o dinheiro nunca dá. Em resumo: trabalha como um condenado para pagar as prestações da nova TV de LED que você mal teve tempo de ligar, de tanto fazer hora extra.

Nossos desejos e impulsos são infinitos, mas os recursos do planeta são finitos e nosso corpo não terá 20 anos para sempre. A sociedade e a mídia não querem que busquemos prazeres nas coisas simples. Lazer não é mais jogar bola com o filho na praça, ou caminhar na rua. É ir no shopping. Reparem como os shoppings hoje agregam cada vez mais serviços, até consultórios e escritórios, para que passemos o maior tempo possível de nossas vidas lá dentro.

Pelo menos uma coisa a publicidade ainda não nos nega: a possibilidade de escolha. Somos livres para fazer o que quisermos. Por exemplo, colocar todos os sites de compras coletivas no filtro de spam.

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Bia Kunze

Bia Kunze

Ex-colunista

Bia Kunze é consultora e palestrante em tecnologia móvel e novas mídias. Foi colunista no Tecnoblog entre 2009 e 2013, escrevendo sobre temas relacionados a sua área de conhecimento como smartphones e internet. Ela também criou o blog Garota Sem Fio e o podcast PodSemFio. O programa foi um dos vencedores do concurso The Best Of The Blogs, da empresa alemã Deutsche Welle, em 2006.

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