A web tem que ser para todos, até para a dona Marli

Bia Kunze
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• Atualizado há 4 dias

Sinceramente, não dá para entender o que querem os gurus da internet. Num dia, reclamam da “terra sem lei”, da “pirataria desvairada”. No outro, da falta de acesso por milhões de pessoas – seja por motivos políticos, financeiros ou culturais. E de repente, quando as leis começam a englobar mundo real e virtual, as pessoas passam cada vez mais a pagar pelo conteúdo digital que consomem e a inclusão digital caminha a passos largos, há quem diga que a web está em decadência, que Apple e Facebook são o mal encarnado, que só o dinheiro é importante em detrimento das pessoas.

As declarações apocalípticas que vêm aumentando nas últimas semanas baseiam-se nos números apresentados por um instituto de pesquisa, o Pew Research Center. Segundo ele, entre 57% e 64% dos norte-americanos (dependendo da faixa demográfica e etária) usam preferencialmente aplicativos fechados, no celular ou smartphone, para se conectar.

Antes de prosseguir, é bom explicar terminologias. “Web” é a World Wide Web. É o conjunto interligado do conteúdo acessível pela “internet” – que por sua vez, é o nome dado ao sistema global de redes de computadores e servidores interconectados. Simplificando mais ainda: web é a informação que circula da rede; internet são os computadores e servidores responsáveis por gerir e disseminar essa informação.

O que está acontecendo? Bem, os usuários estão migrando da rede ampla e aberta para plataformas semifechadas. E os webgurus apontam seus dedos para Apple e Facebook como os responsáveis pelo fim da web livre. E não cansam de exaltar o Google como sinônimo de web aberta, embora eu não concorde lá muito com isso.

O Facebook nasceu pelas mãos do estudante e nerd Mark Zuckerberg, e hoje é sinônimo de rede social: um clube de pessoas, numa plataforma privada, se comunica, troca informações e se diverte em aplicativos e jogos que só rodam dentro dessa rede. Steve Jobs, por sua vez, é mentor de um ecossistema proprietário de computação e informação em todos os seus níveis: ele cria conteúdo (através da Pixar), fabrica a plataforma de acesso (o iOS) e detém a rede de distribuição (conhecida por App Store).

Zuckerberg: ele é mau?

Porém, eu gostaria de expor aqui o ponto de vista dos milhões de leigos que não conseguem compreender essa “crise”.

Não sou uma applemaníaca e nem tenho perfil no Facebook (do qual eu pessoalmente não gosto). Mas o que essas duas empresas fizeram, aos olhos do público leigo, foi tirar a web das mãos de uns poucos detentores de conhecimento de computação. Tudo se tornou tão fácil que pessoas comuns, crianças e idosos puderam se beneficiar também. Pense bem: quem é que usava a web em 1995, senão uma meia dúzia de fanáticos por tecnologia? Desde os anos 2000 a coisa começou a mudar.

Porém, só hoje, na era dos apps das redes sociais, que a dona Marli, proprietária de uma pequena doceria no meu bairro, venceu 10 anos de depressão profunda. Ela encontrou um meio descomplicado de matar as saudades dos filhos e netas que moram a mais de 3.000 km. Será que ela conseguiria isso sem a existência de celular com câmera, apps, Orkut, MSN e internet móvel? Não bastou ter aulas num programa de inclusão digital da prefeitura para a terceira idade: foi preciso que surgissem ferramentas tão simples de se usar quanto os apetrechos culinários de onde nascem seus maravilhosos quindins.

Eu acho que ela, com seu conhecimento limitadíssimo de informática, tem tanto direito quanto eu de usufruir da web.

Queridos, foi preciso despir-me da vaidade para escrever este post. Há cerca de 5 anos, meus familiares se referiam a mim como “a moça dos Palms”, e me davam uma aura de geniazinha, como se fosse algo inatingível para os mortais comuns. Em princípio, pode parecer muito bom para o ego ser conhecida dessa forma, mas eu me sinto muito mais feliz hoje, quando eu os vejo tirando proveito de tudo da mesma forma que faço há 10 anos. Não me acho melhor do que ninguém só porque tenho mais conhecimento. Pelo contrário, eu sou uma dentista e não uma engenheira da computação! Acho que meu exemplo vale mais do que minhas próprias palavras: tem web (aberta e fechada) para todo mundo.

Como qualquer entendido em tecnologia, eu também temo um pouco por um suposto fim da web livre. Mas pintar a Apple e o Facebook como empresas diabólicas parece mais inveja por serem tão amadas e bem-sucedidas no mundo inteiro, não acham? Eu acredito que web fechada e web aberta podem coexistir muito bem, sem essa besteira de colocar tudo em pé guerra. Por que tem que ser assim? Apple versus Microsoft. Linux versus Windows. Google versus Facebook. iPhone versus Android. Basta!

Estou bem longe de ter o grau de conhecimento em informática de muitos de vocês, mas acho que estou fazendo minha parte: do mesmo modo que incentivei a dona Marli a usar redes sociais e aplicativos, hoje ela pensa em começar seu próprio blog sobre culinária. As netas até já estão dando sugestões de nomes, e prometem ajudá-la, de lá de Rondônia, a colocá-lo no ar.

A web tem que ser para todos. Todos mesmo. Parem de ficar procurando heróis e vilões.

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Bia Kunze

Bia Kunze

Ex-colunista

Bia Kunze é consultora e palestrante em tecnologia móvel e novas mídias. Foi colunista no Tecnoblog entre 2009 e 2013, escrevendo sobre temas relacionados a sua área de conhecimento como smartphones e internet. Ela também criou o blog Garota Sem Fio e o podcast PodSemFio. O programa foi um dos vencedores do concurso The Best Of The Blogs, da empresa alemã Deutsche Welle, em 2006.

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