Dilma foi alvo de espionagem americana

Governo cobra explicações imediatas da Casa Branca e cogita criar um serviço de email nacional com criptografia

Thássius Veloso
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A comunidade de inteligência dos Estados Unidos espionou diversos alvos no Brasil (foram “milhões” de comunicações rastreadas, segundo reportagem do jornal carioca O Globo). Não bastasse monitorar o que dizem e escrevem os brasileiros, o governo americano também manteve grampos nas comunicações da presidente Dilma Rousseff com a alta cúpula do governo federal. Na última segunda-feira (02), o Palácio do Itamaraty pediu explicações formais e imediatas às graves acusações feitas pelo jornalístico Fantástico, da Globo, no domingo.

Não duvide que pelo menos dez ministros tenham participado de uma reunião de mais de quatro horas com a presidente. Entre eles, de Comunicações, Justiça, Defesa, das Relações Exteriores e do Gabinete de Segurança Institucional. De acordo com a reportagem da Folha de São Paulo, a presidente Dilma estava mais do que irritada em tomar conhecimento das denúncias.

Alvo: Dilma Rousseff, presidente do Brasil

Alvo: Dilma Rousseff, presidente do Brasil

Mas o que exatamente aconteceu?

Entenda o caso

O programa Fantástico revelou uma série de documentos repassados pelo norte-americano Edward Snowden – ele permanece refugiado na Rússia, sem falar sobre a espionagem americana – que mostram “estudos de caso” sobre o monitoramento realizado contra líderes de estado de diversos países. Entre eles, o Brasil, que tem sido um importante parceiro comercial dos Estados Unidos em uma série de frentes. Embora as relações diplomáticas entre as duas nações vá muito bem, obrigado, ainda assim o governo americano executou a espionagem.

Os documentos afirmam que a tecnologia americana permite “extrair de coleções completas de dados as atividades mais relevantes aos seletores de interesse”. Ainda segundo a documentação, classificada como “Top Secret”, o mais alto grau de sigilo que a legislação de lá permite, a tecnologia permite implementar análises que são “personalizadas às necessidades baseadas em alvo-a-alvo”. Dá a entender que os funcionários de agências de inteligência não precisariam verificar todo o volume de dados, pois os sistemas automaticamente direcionam para a análise os grampos mais relevantes sobre determinados assuntos.

O sistema “deve conseguir achar uma agulha em um palheiro de forma frequente e eficiente”, segundo outro trecho exibido pela reportagem Fantástico.

Repare que não há detalhes do funcionamento da tecnologia de espionagem dos Estados Unidos. Snowden tinha acesso à documentação da comunidade de inteligência, mas até o momento não fez questão de liberar informações mais precisas de como eles agiam. Por exemplo, a reportagem do último domingo não traz trechos de comunicações da presidente Dilma Rousseff com os ministros.

Em vez disso, a documentação aponta que toda uma rede de contatos da presidente poderia também ser monitorada. O sistema de espionagem tinha Dilma no seu centro, com a vasta rede se espalhando pela alta cúpula do Executivo. Um dos gráficos indica que a tecnologia é capaz de monitorar a conversa de Dilma com assessores; entre os próprios assessores; e deles com terceiros.

A espionagem dos Estados Unidos funciona baseada em um alvo, a partir do qual são identificados os números de telefone, os emails e o IP do computador da vítima. De acordo com o Fantástico, o mesmo vale para os interlocutores escolhidos. No caso da monitoramento de um então candidato mexicano à presidência, foi usado um programa chamado Mainway, para coletar o volume de informações que passa pelas redes de comunicação, e o Association, que intercepta as informações que circulam em redes sociais. Estas mensagens vão para um terceiro filtro, o Dishfire, que busca por determinadas palavras-chave.

Parece complicado? É mesmo. O estudo de caso não entra em detalhes sobre o funcionamento das tecnologias, mas dá uma explicação por cima de como os softwares são empregados.

Vale lembrar que, à luz dos demais acontecimentos, aplica-se também ao monitoramento brasileiro a explicação de outro documento do governo americano para a forma como a espionagem se dá. Eram identificadas brechas nas redes de comunicação para chegar ao alvo. Quase como se fosse um exploit. Segundo o estudo de caso, o acesso contra alvos do alto escalão foram bem sucedidos tanto no Brasil quanto no México. “Alvos importantes que sabem do perigo de espionagem e protegem sua comunicação”, destaca um trecho de um dos documentos.

Mensagens enviadas por um então candidato à presidência do México; Enrique Peña Neto foi eleito e cumpre mandato

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Os documentos iniciaram uma crise diplomática porque apresentam o Brasil em uma lista de países marcados pelo texto “Aliado, inimigo ou problema?”. Até onde se sabe, o Brasil se comportava como um importante aliado em questões comerciais. Fora uma disputa aqui ou outra ali, há diversos negócios importantes discutidos diretamente com empresários dos Estados Unidos, com apoio do governo federal americano.

A reação do governo brasileiro

Todas as informações acima foram reveladas em uma reportagem exclusiva da TV Globo. Na própria segunda-feira, a reunião emergencial levou várias horas. Ao fim dela, a presidente Dilma Rousseff não deu entrevista aos jornalistas. Dois ministros que acompanharam as discussões falaram com os repórteres.

José Eduardo Cardozo e Luiz Alberto Figueiredo cobram explicações imediatas da Casa Branca

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O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, tratou de hipóteses. Disse que “se” a espionagem americana for confirmada, trata-se de uma “inadmíssivel” e “inaceitável” violação da soberania nacional. Cardozo citou a Constituição Brasileira: “Eles respeitam a lei deles, e nós a nossa. É vedado o monitoramento sem ordem judicial”.

Por sua vez, o ministro de Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo, cobrou explicações imediatas e formais dos Estados Unidos a respeito do assunto. Ele havia se reunido, logo cedo na segunda-feira, com o embaixador americano. Segundo Figueiredo, a resposta não precisa vir necessariamente do embaixador, mas deve ser uma comunicação formal da diplomacia dos Estados Unidos. E disse mais: espera que, no mais tardar na próxima sexta-feira, as explicações sejam dadas pela Casa Branca.

Na própria segunda-feira, a presidente Dilma Rousseff embarcou para a Rússia com o objetivo de participar do oitavo encontro da Cúpula do G20, que reúne os 20 países com as maiores economias do mundo. O presidente americano, Barack Obama, também estará lá. Ainda não se sabe se eles farão uma reunião para discutir o assunto.

De qualquer forma, há de se citar um ponto bastante obscuro. A presidente Dilma Rousseff tem uma viagem oficial aos Estados Unidos agendada para outubro. No pronunciamento de ontem, o chefe do Itamaraty negou-se a confirmar ou cancelar a viagem. Disse que, por ora, não pretende falar sobre o assunto. Essa dúvida no campo da diplomacia evidencia que o governo brasileiro reconsidera a viagem da chefe de estado num momento em que acusações tão graves aparecem.

Email “nacional”

Enquanto a resposta oficial não vem, o Ministério das Comunicações informou que repassou aos Correios a tarefa de criar um serviço de email público e gratuito com criptografia, para evitar a espionagem realizada pelos Estados Unidos e aliados. O secretário-executivo do ministério, Genildo Lins, disse ao G1 que a ideia estava em discussão antes de aparecerem as denúncias de monitoramento realizado contra o governo brasileiro.

O objetivo seria criar uma certificação digital para proteger as mensagens eletrônicas. Na avaliação dos Correios, trata-se de uma oportunidade de negócios. E, embora seja caro manter um serviço de email com criptografia, a estatal poderia vender anúncios para financiá-lo (no mesmo esquema adotado pelo Google e pelo Facebook atualmente).

Ainda não está claro o que o governo quer dizer quando cita um serviço de email nacional. O especialista em segurança do G1, Altieres Rohr, explicou em um artigo que email é email em qualquer lugar do mundo. Trata-se de um protocolo para funcionamento integrado entre as mais diversas redes. Portanto, é impossível ter um email nacional e absolutamente protegido, porque as mensagens em algum momento deverão sair dos servidores dos Correios para chegar ao destinatário. O rastreamento pode acontecer neste exato momento.

Há quem já levante a questão da privacidade. Um serviço de email mantido por um governo também não seria algo muito legal de se ver, pois pode cessar a espionagem vinda de fora, para dar vez à espionagem doméstica. Esse é apenas mais um ponto de vários que vão contra a “solução nacional de email”.

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Thássius Veloso

Editor

Thássius Veloso é jornalista especializado em tecnologia e editor do Tecnoblog. Desde 2008, participa das principais feiras de eletrônicos, TI e inovação. Também atua como comentarista da GloboNews, palestrante, mediador e apresentador de eventos. Tem passagem pela CBN e pelo TechTudo. Já apareceu no Jornal Nacional, da TV Globo, e publicou artigos na Galileu e no jornal O Globo. Ganhou o Prêmio Especialistas em duas ocasiões e foi indicado diversas vezes ao Prêmio Comunique-se.

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