Marissas e Sheryls pt_BR: como é o mercado de tecnologia para as brasileiras

É possível - mas difícil! - ser mulher e líder no ramo de tecnologia por aqui

Jacqueline Lafloufa
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• Atualizado há 3 horas

Marissa Mayer, atual CEO do Yahoo, e Sheryl Sandberg, atual diretora financeira do Facebook, se tornaram referência para muitas meninas em busca de um futuro de sucesso. Elas têm superado barreiras e se empenhado em dar dicas sobre como trilhar o caminho de pedras rumo a um brilhante futuro profissional.

Muito se diz sobre a iniciativa “Lean In”, capitaneada por Sheryl, e sobre a garra que Marissa tem mostrado em sua desafiadora função de presidente de uma empresa com uma situação tão complicada como o Yahoo. Mas, e no Brasil? O que as brasileiras têm a dizer sobre o cenário nacional, sobre como é a pressão, como funcionam as relações profissionais e como é possível superar esses desafios?

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Conhecimento é poder

Uma das primeiras lições a se levar é que, no mercado de tecnologia em especial, conhecimento é poder. O saber é a moeda mais forte do ramo corporativo de TI, e vale mais do que qualquer preconceito de gênero. Ana Nubié, sócia-fundadora da agência Click e empreendedora de TI e de comunicação, explica que neste ramo a meritocracia é muito forte, e que é preciso fazer por merecer o reconhecimento – e a forma mais tradicional de ganhar essa deferência é saber o que diz. Afinal, contra fatos não há argumentos.

No entanto, não dá pra ignorar que em muitos ambientes de trabalho de tecnologia, que costumam ser majoritariamente masculinos, ainda há preconceito em relação às mulheres, consideradas ~menos aptas~ a determinadas funções.

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“Existe uma cultura geral de que a mulher não aguenta pressão, de que é emocional e que em algum momento vai priorizar a maternidade. É uma cultura, cultivou-se isso como crença, e até mesmo as mulheres se deixam trair por ela. Mas nada disso é verdade, é puro preconceito”, atesta Gal Barradas, CEO da agência F.biz, que em sua carreira fez a conexão entre comunicação e tecnologia.

E, para superar essa cultura opressora, cada uma dá seus pulos do jeito que acha melhor. Sheryl costuma advocar por uma postura mais agressiva, competitiva, o que Trinidad Pajares, da equipe do Wayra Brasil, diz aplicar na prática. “Eu tenho que ficar brava, tenho que ganhar esse respeito dos homens. Então, eu coloco uma barreira”, conta ela, lembrando das inúmeras vezes onde se viu sozinha ou com pouquíssimas companhias femininas, em hackatons e maratonas de empreendedorismo. Nesses ambientes, relata Trinidad, é ainda mais raro encontrar mulheres do que nas empresas de TI. “Dentro das corporações não existem tantas mulheres assim, e, como empreendedoras, tem menos ainda”, revela.

Outra estratégia usada por muitas mulheres – ainda que não seja exatamente agradável – é ter uma postura ainda mais séria que seus colegas homens. Rafaela Paiva, gerente de infraestrutura de TI e de segurança da informação no Buscapé, conta que preza, desde o início dos seus 16 anos de carreira, por um visual menos feminino e por uma personalidade profissional mais agressiva, bem diferente do seu dia a dia com familiares e amigos.

Ela dá preferência a tons mais discretos nas roupas, pra não chamar atenção pelo seu visual, mas pela capacidade técnica, “sem muita maquiagem, sem muito glamour”, como ela mesma define. A escolha por esse estilo profissional começou pela pressão que ela sentia no trabalho – o velho “vai ganhar pela beleza e não pela capacidade”, comentário que todo mundo já ouviu ao menos uma vez na vida – e acabou virando hábito, pra evitar um entendimento “enviesado” do que a sua vestimenta poderia supostamente indicar. Comentários sobre vida pessoal também ficam fora do ambiente de trabalho da Rafaela. “No meu time de 16 pessoas [entre os gerentes], sou a única mulher. Tem quem fale dos filhos, da viagem de férias. Eu não falo absolutamente nada. Não é uma dupla personalidade, é um posicionamento”, revela ela.

Não dá pra ir achando que tudo será um mar de rosas; vai ser necessário um bocado de autoconfiança pra superar as piadinhas, possíveis deméritos e outros obstáculos que ambientes mais machistas possam apresentar. Contudo, apesar do que parece, o momento não é de todo mal pra quem está ingressando no mercado agora ou está começando a se preocupar com os caminhos que vai trilhar na sua carreira.

Disputando (e conquistando) espaço

Antes de fazer parte da equipe do Wayra, Trinidad passou mais de uma década como colaboradora da Telefónica, ramo de telecomunicações que também tem muito mais homens que mulheres em sua grade de funcionários. Pra ela, uma das razões pra que as corporações tenham uma tendência mais machista nas contratações – é o caso de retardar a promoção de mulheres em idade fértil, evitar colocá-las em cargos gerenciais por medo de que elas se ausentem por muitos meses, entre outros preconceitos – é exatamente o fato de que faltam mulheres na liderança dessas grandes empresas. “Se lá em cima os lideres são homens, é difícil modificar esse comportamento”, analisa.

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Mas devagarinho as coisas estão mudando. Dados do International Business Report deste ano mostram que a quantidade de mulheres ocupando o posto de CEO de empresas no Brasil cresceu 300% desde 2012, quando apenas 3% das empresas eram lideradas por mulheres. Até o momento, este índice está em 14%, o que não chega a ser uma estatística animadora em termos de igualdade de gêneros, mas já mostra que estamos no caminho pra que isso um dia aconteça.

Por curiosidade: a Tailândia é o país do mundo onde há o maior número de CEOs mulheres, que chegam a quase 50%. Na sequência aparece a Dinamarca, com 45% de liderança feminina, seguida pela Alemanha (40%), Letônia (38%) e Estônia (30%).

Desafios toda carreira tem, então a dica é se jogar nas oportunidades, sem medo de ser feliz, como já dizia o meu pai. É preciso dar uma calibrada na autoestima e na autoconfiança, e em caso de medo, ir com medo mesmo! Ana Nubié conta que a autoconfiança e o orgulho “exagerado” dos meninos acaba ajudando-os a ocupar cargos que muitas vezes nem estão assim tão preparados para exercer, enquanto as moças muitas vezes param para se questionar se vão aguentar, ou se estão prontas para as responsabilidades que virão. “As mulheres são perfeccionistas demais”, pontua, rememorando que diversas vezes viu mulheres inseguras diante de um desafio profissional e quase nunca ouviu o mesmo da boca de homens – ou seja, eles podem tremer na base, mas se esforçam horrores para não demonstrar nada.

Pouco a pouco, é preciso ir deixando de lado o receio de se constranger e ir atrás do que quer, manter uma boa rede de contatos e aproveitar as oportunidades que forem aparecendo. “Sempre chamei as pessoas para conversarem, para um almoço ou um café, e raramente as mulheres aceitam”, reclama Ana, evidenciando as chances de crescimento que as mulheres deixam passar por recear ser um incômodo ou acharem bobagem. “Não é uma questão de competência, é uma questão cultural mesmo. As mulheres ainda estão brigando por abrir certos espaços e devem continuar, porque a mudança cultural é algo lento e gradual”, enfatiza Gal Barradas.

Dentro das empresas

Em algumas empresas multinacionais, é possível também conseguir apoio – ao menos moral – para desenvolver mais a carreira em grupos de “empoderamento”. O Lean In de Sheryl Sandberg teve, desde o início, o objetivo de ser essa encubadora de grandes executivas e as companhias, em especial norte-americanas, têm aproveitado a onda para criar modelos que incentivem as moças a persistir em suas carreiras e não apenas abandonar o barco quando as coisas ficarem mais complicadas.

Boa parte das iniciativas, contudo, tem origem internacional e acabam chegando ao Brasil como uma extensão das atividades da multinacional, com pouca expressividade ou efeito dentro das corporações. Na Dell, o WISE é um exemplo. O grupo é conhecido pela sua abreviação, que significa “Women in Search of Excellence”, e conta com 40 grupos em diferentes unidades da empresa em todo o mundo. Quatro deles estão no Brasil, nas principais filiais da empresa, nas cidades de Eldorado do Sul (RS), Porto Alegre (RS), Hortolândia (SP) e São Paulo.

Os membros do WISE se encontram semanalmente em cada um dos chamados “chapters”, grupos de uma determinada unidade, e realizam reuniões nacionais a cada mês. Trimestralmente, todos os grupos da América Latina alinham seus objetivos, que vão desde palestras motivacionais até cursos focados nas principais dificuldades das mulheres dentro da corporação, como aulas de inglês, exemplifica Clarissa Price, líder do WISE em Eldorado do Sul.

No entanto, nem mesmo a empresa sabe dizer o quanto a atuação do WISE impactou na contratação ou promoção de mulheres a cargos de liderança, ou qual seria o percentual de mulheres empregadas atualmente. Temas levantados por Sheryl Sandberg em Lean In, como o incentivo a atitudes mais ousadas ou à pressão dos próprios colaboradores para que as corporações atendam às necessidades de suas funcionárias, não chegaram a ser levantados nas discussões do WISE. O que é uma pena, já que este é um dos poucos grupos de incentivo para mulheres que existe em grandes empresas brasileiras.

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Mulheres do futuro

Sheryl e Marissa estão no horizonte das mulheres de sucesso como carreiras a serem analisadas e copiadas nos pontos fortes, mas o Brasil também tem grandes personalidades que podem ser tão motivadoras quanto a CEO do Yahoo e a CFO do Facebook.

Em termos gerais de liderança, Andrea Álvares, da PepsiCo, Luiza Helena Trajano, presidente do Magazine Luiza, e Maria das Graças Foster, presidente da Petrobrás, estão entre as mais citadas como influências e referências positivas para as executivas.

Ana Nubié, Rafaela Paiva, Gal Barradas e Trinidad Pajares, nossas entrevistadas para essa matéria, assim como Flávia Verginelli, Mirian Favareto, Mylene Melly, Ana Gabriela Pessoa, Bel Pesce e tantas outras líderes e empreendedoras do ramo de tecnologia também mostram que o esforço, a persistência e a resiliência são armas úteis a caminho do sucesso e que, acima de tudo, é preciso ser ousada e incisiva, conquistando seu espaço no mercado e trazendo a esperança de que, quem sabe em um futuro próximo, a cultura corporativa se torne mais receptiva às moças, que já provaram ser tão competentes quanto seus colegas homens.

Apesar de um tantinho difícil, é sim possível ser uma bem sucedida profissional de TI no Brasil – e, quem sabe, as moças que começam agora possam, no futuro, contar com benesses conquistadas por essas corajosas mulheres, que fizeram de tudo tudo pra mostrar que competência, persistência e garra não têm NADA a ver com gênero.

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Jacqueline Lafloufa

Jacqueline Lafloufa

Ex-autora

Bacharel em literatura, especialista em jornalismo científico e comunicação digital, Jacqueline Lafloufa também aprendeu sobre ciência e tecnologia no colégio técnico ETEP. Já trabalhou como programadora, mas hoje atua como produtora de conteúdo, ghostwriter, roteirista, escritora profissional, pesquisadora e podcaster. Foi autora no Tecnoblog de 2013 a 2014 e também já colaborou com o Facebook.

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