Lema “se joga” de Sheryl Sandberg pode ter impactado mercado feminino de TI

Nos EUA, tendência é que número de mulheres em cargos de tecnologia aumente. Mas e no Brasil?

Jacqueline Lafloufa
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• Atualizado há 6 dias

Marissa Mayer e Sheryl Sandberg sacudiram o mercado norte-americano ao fazerem o que bem entendessem e tomarem posições que ninguém esperava. A primeira assumiu a função de CEO do Yahoo, um dos mais altos cargos de chefia em uma empresa, quando estava prestes a ter um bebê, e a segunda teve a audácia de lançar um livro que convida as mulheres a “fazer acontecer”, o que a transformou em uma espécie de embaixadora da igualdade feminina no mercado de trabalho e em posições de liderança.

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Revista TIME manda a real – “Não odeie-a por ser bem sucedida”

O frisson causado por essas moças parece estar dando resultado prático. Segundo dados do Bureau of Labor Statistics, nos EUA, 46% dos novos cargos de tecnologia criados no início desde ano foram preenchidos por mulheres, o que dá a impressão de que o mercado – e a mulherada – está respondendo às provocações de Sheryl. No entanto, a Dice, especializada em recrutamento na área de TI, indica em seu relatório de tendências para o primeiro trimestre de 2013 que apenas 31% da força de trabalho do setor era feminina.

Os apelos de Sheryl para que as moças não repitam os erros que ela cometeu, que “se joguem” nas oportunidades de trabalho, exijam condições flexíveis e um maior reconhecimento ainda leva a mídia a levantar pautas questionáveis (como o desnecessário questionamento sobre se “é permitido chorar no trabalho“). Mas o buzz pode se tornar positivo a longo prazo, já que cada vez mais surgem programas com foco em motivar meninas a participar do setor de ciência e tecnologia que vão desde aulas de empreendedorismo voltadas para as garotas até iniciativas como a do programa Science Camp, realizado por uma parceria entre o CNPq e a Embaixada dos EUA, que levou 92 brasileiras para participarem de palestras sobre as oportunidades de carreiras científica e tecnológica.

Esse empurrãozinho é necessário porque o mercado ainda não sabe como receber a liderança feminina. Em Faça acontecer, Sheryl Sandberg elenca uma série de estudos e pesquisas que mostram que medidas mais drásticas tomadas por mulheres são recebidas com muito mais críticas do que as mesmas decisões quando são tomadas por homens no comando – basta recordar a repulsa da mídia em relação à decisão de Mayer de encerrar (ao menos temporariamente) a política de home office no Yahoo. Na época, esta mesma jornalista que lhes escreve decretou que Mayer fazia um desserviço ao teletrabalho, mas há de se lembrar que Marissa decidiu algo com foco nas necessidades da empresa que ela lidera, e não como uma bandeira a ser hasteada por todo o ambiente de trabalho mundial.

Marissa Mayer, a poderosa CEO do Yahoo, que aceitou o cargo enquanto estava grávida, deixando muita gente de queixo caído
Marissa Mayer, a poderosa CEO do Yahoo, que aceitou o cargo enquanto estava grávida, deixando muita gente de queixo caído

No Brasil, as pesquisas relativas à presença feminina no mercado de tecnologia da informação ainda são escassas e os números, nada empolgantes. Uma pesquisa da Apinfo relativa ao segundo trimestre de 2012 revelava que apenas 13% dos profissionais de informática entrevistados eram mulheres, uma redução de 3 pontos percentuais em relação a 2006. A empresa de recrutamento especializado Michael Page relata que, no ano passado, 72% dos candidatos contratados para cargos com recompensa acima dos R$ 8 mil eram homens, e que a diferença entre salários de homens e mulheres no mercado de TI, considerando mesma escolaridade e função, chega a surpreendentes 77%. Com esses dados tupiniquins, fica complicado acreditar nas tendências de igualdade no mercado que a Dice enxerga na América.

Faça acontecer
Tanto nos EUA quanto no Brasil, a área de tecnologia é uma das mais masculinizadas do mercado. Os motivos são vários e variados, e, enquanto não houver uma pressão para que o quadro mude, a expectativa é que a situação não vá magicamente se modificar.

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“Faça acontecer” convida as mulheres a terem menos medo e aceitarem desafios

A grande importância do livro de Sheryl talvez não seja tanto o seu conteúdo, ainda que este seja interessante, mas sim o seu posicionamento. Mais do que ser o braço direito de Zuckerberg, ela se colocou como uma profissional disposta a mudar o cenário atual, na esperança de que, dentro de alguns anos, a situação possa ser diferente da que ela vivenciou. As vagas de estacionamento especiais para grávidas só serão criadas quando estas estiverem dispostas a pressionar a chefia para providenciá-las, a flexibilidade de trabalho para pais e mães só vai acontecer se houver público que se manifeste a favor, e os abusos morais no ambiente corporativo tendem a diminuir com o aumento das denúncias.

São pequenos ajustes da rotina de trabalho e doméstica, executados tanto por homens quanto por mulheres, além de um bocado de motivação, que vão ajudar a dar fim ao “terceiro turno” das esposas, acabar com a ideia de que uma gestante não pode assumir cargos de chefia porque vai tirar licença e até por abaixo o receio das próprias mulheres em aceitar posições profissionais desafiantes, por medo de se tornarem esposas ou mães ausentes. O esforço de Sheryl, de Marissa e de tantas outras mulheres é ajudar a transformar o conceito de “mãe que trabalha” e que, por isso, acaba sendo menos presente no cotidiano familiar, para uma orgulhosa mãe que ama sua carreira e consegue encontrar um equilíbrio entre a rotina do trabalho e do lar.

Sem sombra de dúvidas, a realidade de personalidades como Sheryl ou Marissa não é a mesma que a de muitas mulheres em cargos de liderança, em especial no setor de TI. Em cargos de chefia em empresas como Facebook e Yahoo, elas possuem recursos, poder de persuasão e uma rede de apoio profissional e familiar bem extensa. Mas, salvas as devidas proporções, a lição que fica para quem analisa o cenário como um todo é que cada vez mais as mulheres precisam refletir se a decisão que elas mesmas tomam não é excessivamente receosa ou, em outros termos, se um homem pensaria da mesma forma.

“O que você faria se não estivesse com medo?” – essa frase, que está estampada em um pôster no escritório do Facebook, pode ser a grande alavanca para um futuro de maior igualdade de gêneros.

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Jacqueline Lafloufa

Jacqueline Lafloufa

Ex-autora

Bacharel em literatura, especialista em jornalismo científico e comunicação digital, Jacqueline Lafloufa também aprendeu sobre ciência e tecnologia no colégio técnico ETEP. Já trabalhou como programadora, mas hoje atua como produtora de conteúdo, ghostwriter, roteirista, escritora profissional, pesquisadora e podcaster. Foi autora no Tecnoblog de 2013 a 2014 e também já colaborou com o Facebook.

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